segunda-feira, 24 de abril de 2023

DEMOCRACIA

 

(Aproximam-se os 50 anos do 25 de abril e já perdi a conta às referências que a efeméride me suscitou neste blogue e que não podem estar confinadas à clássica interrogação “onde estavas tu no 25 de abril de 1974”. Por isso, em mais uma dessas datas, justifica-se uma reflexão mais distanciada que está muito para além daquela noite em plena Escola Prática de Administração Militar no Lumiar, onde pairava no ar a perceção que alguma coisa iria acontecer e cujo conhecimento estava vedado a um simples aspirante miliciano em formação de administração militar. A reflexão tem de ser distanciada sobretudo porque já resta pouca gente com a perceção vivida da revolução e suas radicalizações inevitáveis, mas sempre com o tipo de radicalização própria de uma sociedade de brandos costumes como a nossa.

À medida que o tempo se vai esfumando e que a data de 25 de abril fica mais distante, há uma regularidade que se vai consolidando. A radicalização das opções que a revolução suscitou, com as datas de 11 de março e de 25 de novembro de 1975 a pontuarem nesse calendário, vai perdendo força, apagando-se progressivamente na memória, embora alguns marcos permaneçam. No meu caso, foi a noite de ataque às sedes do PCP a norte, comigo instalado na chefia da contabilidade do RASP de Vila Nova de Gaia na Serra do Pilar, que me deixou mais recordações impactantes e pela ansiedade que provocou, ditada pela agitação que se vivia naquela unidade, sobretudo alimentada pelos relatos dos que saíram em missão de ajuda às forças de proteção e regressavam cheios de entusiasmo pela barragem que fora estabelecida às então designadas de forças da reação.

Mas esse esbatimento da perceção de radicalização que vai acompanhando a progressão do tempo tem uma contrapartida positiva que é a do reconhecimento da bandeira da liberdade como peça fundamental de todo o processo perspetivado com as lentes da sabedoria do tempo. De facto, no programa do Movimento das Forças Armadas, embora ele possa ter sido capturado por visões mais radicais, imperava sobretudo a ideia da democratização da sociedade portuguesa, a que alguns juntaram dois outros DD, o do desenvolvimento e o da descentralização.

A evolução do contexto externo e o agravamento das condições de vida democrática no mundo vieram conceder a devida importância ao esbatimento no tempo da radicalização (a que eu próprio não fiquei imune), consagrando a defesa da democracia, tão adulterada nos tempos que correm, como a principal marca simbólica do 25 de abril. Cinquenta anos são já um período suficiente para começar também a esbater os custos de contexto penalizadores decorrentes do antigo regime, nas suas diferentes componentes de isolamento internacional, de pobreza endémica, de condicionamento industrial, de conservadorismo retrógrado, de atavismo bolorento, de ruralidade folclórica, de baixa educação, de desigualdade e de corporativismo. Cinquenta anos de democracia são já tempo suficiente para exigir a esta responsabilidade no combate a esses fatores de atraso estrutural, marcando a não condescendência para com todos aqueles que procuram ressuscitar tais fatores ou a revesti-los de outras roupagens.

Não me venham com fatores de distração relativamente a este foco da construção democrática. Tudo o resto são questões de lana caprina, questões laterais em relação ao que nos deve fazer concentrar e mobilizar energias.

É esta a minha perceção do 25 de abril em 2023.

Sei onde estava em 1974 e sei bem onde estou agora, com a progressão do tempo a desfazer o acessório e a realçar o que é essencial, a defesa e a viabilização da democracia.

 

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