quinta-feira, 6 de abril de 2023

UM LPM ABSORVENTE E CATIVANTE

O timing pode ter sido casual, mas não é por isso menos perfeito. De facto, o conhecido especialista em comunicação política Luís Paixão Martins (LPM) acaba de fazer publicar um livro curioso e a que chamou “Como perder uma eleição”, quase simultaneamente com o momento em que aceitou voltar a aconselhar António Costa sobre como contornar o autêntico embaraço em que se encontra.

 

O livro percorre, nomeadamente, algumas das mais relevantes eleições realizadas em Portugal, a saber: aquelas que proporcionaram maiores absolutas a António Costa (2022) e José Sócrates (2005) e as presidenciais de Cavaco Silva (2006) e nas quais o autor foi o líder de comunicação. Mas o livro, que se lê numa penada, contem igualmente a sua dose de densidade teórica na abordagem efetiva e/ou interpretativa de processos eleitorais, incluindo sondagens, campanhas, debates e a dimensão da comunicação política, e no respetivo tratamento em termos factuais e de leitura empírica. Assim como de questões muito próprias como, por exemplo, a de lidar com a bolha mediática (“a política é uma ilha rodeada de sins por todos os lados”) ou a de gerir o inevitável surgimento de “ativos tóxicos”.

 

Acresce que LPM não deixa também de procurar fornecer indicações em torno do que não se deve fazer para ganhar eleições, porque “são muitas formas de perder uma eleição” (ilustro: “tal como é um erro estratégico focar a campanha nos fãs, também o é abordar um debate como um duelo” ou “um dos erros mais catastróficos de uma campanha eleitoral é o de querer agradar a todos os potenciais colaboradores, falhar na hierarquização das suas contribuições, desleixar a coordenação das tarefas e das mensagens” ou “a campanha não é o momento nem o local certo para apresentar boas ideias, bons projetos, boas medidas”). E é assim que destrói com alguma eficácia e base argumentativa muitas ideias-feitas no tocante a processos eleitorais, sejam as dos agentes políticos que arrogantemente se consideram intuitivos acima de tudo ou as daqueles que confiam ingenuamente na alegada força da sua proposta e/ou estratégia de comunicação.

 

Seleciono breves e elucidativas passagens. Como aquela que aponta que “a maior dificuldade de uma candidatura eleitoral é, à distância, conseguir chegar aos eleitores ocasionais, os indecisos, aqueles que ainda não decidiram se votam e em que proposta”. Ou aquela outra em que especula sobre o grau de atenção que deve ser prestado a cada um dos cinco grandes grupos de eleitores que elege (apoiantes decididos e expectantes, indecisos, adversários expectantes e decididos). Ou mais aquela em que se refere a um dos erros mais comuns das campanhas eleitorais como sendo o de “levar os potenciais votantes a percecionarem os dados das sondagens como a antecipação dos resultados eleitorais”. Ou ainda aquela em que sustenta que “o principal fator-chave de uma campanha de comunicação intensa, permanente e extraordinariamente visível é a rapidez” e que “o triunfo do candidato depende da contínua prova de exercícios táticos”. Ou, por fim, aquela em que sublinha, reportando-se ao quadro das últimas legislativas, que “o fator de marketing que mais influenciou o resultado [de maioria absoluta] foi a consolidação da ideia, na última semana de campanha, de que se estava perante um empate técnico.”

 

Assim, e no cômputo geral, o livro de LPM corresponde com precisão à imagem que dele formei quando com ele, e com o seu modo de estar no terreno, pude conviver em 2009: frio e racional, além de informado, profissional, inteligente e irónico. O que em nada conflitua com a minha arreigada convicção de que a “ciência” de LPM tanto inclui dimensões bem fundamentadas como outras talvez mais essencialmente guiadas por elementos de experiência ou por uma base algo olfativa.

 

Além do que já foi dito, é de notar ademais que o livro integra várias ordens de palpites e pequenas histórias com reporte à realidade concreta das três eleições em preferencial apreço na obra, com referências aqui e ali deliciosas (como a da cor dos olhos de José Sócrates ou a do episódio do gato de Rui Rio) e também surpreendentes ou inesperadas. Salpicos que enriquecem a narrativa de fundo, que ― repito ― está bem esgalhada e competentemente estruturada. Goste-se, mais ou menos, do personagem, da função ou do sentido último do discurso...

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