(Por mais esforços que tenha feito não consegui afastar-me do tema TAP e da perigosa vertigem política em que se transformou. Esta é das questões em que, ao contrário de outras, não sabe bem ter razão à posteriori. Desde os primórdios em que a transformação do negócio da aviação comercial emergiu e que as chamadas “companhias de bandeira” começaram a dar lugar ao pragmatismo da viabilidade económica, percebi que os rumos traçados para a TAP à esquerda e à direita eram errados, salvo a intervenção observada por força do apagão da pandemia. Um conjunto variado de mitos tóxicos foi-se sucedendo: a tão proclamada boa gestão de Fernando Pinto e seus congéneres ou amigalhaços brasileiros, o visionário e depois ruinoso negócio da compra da empresa de manutenção no Brasil, a invenção do célebre hub de Lisboa, a peregrina ideia de que sem a TAP o turismo de Lisboa se desmoronaria, como se existindo uma oportunidade de mercado não haja outras companhias a preenchê-la, a ideia de que os objetivos de serviço público exigem uma companhia de bandeira, as estranhas imbricações do problema TAP com o inenarrável adiamento da escolha de um novo aeroporto, enfim para recordar apenas os que me saltam mais rapidamente à memória. A vertigem em que estamos agora mergulhados é mais profunda e perigosa. Percebemos agora que todos os mitos atrás assinalados coexistiram, ou foram por ela alimentados, por uma avalassadora e tentadora irresponsabilidade política que chamuscará, palavra leve, o Governo socialista.)
Sim, poderemos começar por aí. O governo de Passos Coelho e Paulo Portas não está fora desta questão, como a decisão de última hora de privatizar a companhia em condições que vieram a revelar-se pouco sólidas nos ajuda a recordar. Mas, sem ignorar esse facto, é um facto que a governação socialista está enterrada até ao pescoço em todo este imbróglio de mitos alimentados e de controlo político, como uma espécie de experiência “napalm” que vai queimando sucessivamente personagens políticas, algumas das quais com reconhecido potencial de carreiras futuras, inclusive num possível percurso pós António Costa. E o problema da vertigem ou do modo de voo em montanha russa é que a imprevisibilidade do “desencontro entre comadres ou compadres” torna praticamente impossível estimar os dados possíveis, sobretudo quando o processo TAP abafa qualquer outra boa ação governativa no combate ao problema sério de mitigar os efeitos de degradação do poder de compra de uma grande maioria dos portugueses, já de si precário para gerar uma boa almofada social.
Porque uma coisa, bem compreensível, é intuir que uma governação concretizada com uma pandemia pelo meio, seguida do espectro de guerra na Europa e um choque inflacionário depois de um longo período de taxas de juros nulas ou negativas, não pode ser considerada como evoluindo em modo de voo de cruzeiro, com os cintos desapertados. Outra coisa bem diferente é mergulhar nos meandros mais recônditos de como se governa ou como se degrada o instrumento “empresa pública”, tal como o emaranhado de situações em torno da TAP o vai esclarecendo para gáudio de uma certa plateia. O que de certo modo adensa a minha convicção de que manter a TAP pública fora de uma lógica de viabilidade de mercado não só não se recomenda pela simples análise do mercado do transporte aéreo, mas agora também pelo reconhecimento de que não há competência para o fazer, com ou sem CEO internacional, pago ou não a peso de ouro consoante as regras do mercado.
Pelo modo como antecipo o desenvolvimento do inquérito parlamentar, o dano político na governação está feito, irremediavelmente feito. Por isso, em vez de apelos algo miríficos a que António Costa se redescubra e já agora escolha melhor as suas hostes, resta ao Governo apresentar realizações concretas de governação que permitam situar este dano irreversível num outro mosaico que permita outro balanço. Se não o fizer, resta a clarificação da ida às urnas, não antecipando boa coisa dessa alternativa.
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