(Nunca tive dúvidas de que o poder académico corresponde a uma das instituições com menor escrutínio público em Portugal, pelo que na sequência do que aconteceu no âmbito da Igreja, em que finalmente a sociedade portuguesa parece querer libertar-se dos poderes intocáveis, sempre admiti que seria uma questão de tempo até surgirem evidências de que algo mudara no âmbito académico. O que veio a público no âmbito da Faculdade de Direito de Lisboa e do que não teve seguimento em alguns desses casos, alargando o caso de outra natureza de alguém que assinava uns trabalhos para o inefável José Sócrates brilhar como intelectual intrépido, era simplesmente um lamiré. O que sinceramente não esperava é que fosse o CES de Coimbra e do Emérito Boaventura Sousa Santos a aparecer na boca do furacão, impulsionado por um artigo de “investigação” (?), confesso a minha renitência relativamente a estas modernices epistemológicas, na área da auto-antropologia, publicado em obra coletiva da Blackwell, por três investigadoras, hoje já fora do “manto protetor” do papa da sociologia mais militante, o Emérito Boaventura. Para além do aspeto intrínseco do caso, que devo confessar me dá algum gozo, pois desmistifica a ideia de que a esquerda militante e intelectual esteja fora das incidências da miséria moral, o que me parece é que a construção de abordagens ditas científicas paredes meias e em confusão total com o mais agressivo ativismo político algum dia deveria dar para o torto. E o meu raciocínio é simples. Se na esquerda mais radical a fragmentação política é quase algo de intrínseco a tais quadrantes políticos, obviamente que nessa mistura perigosa de investigação e ativismo a fragmentação também pode acontecer, e zangando-se as comadres e sendo desfeitas as relações de confiança ou de poder e dependência entre protetores e protegidos e entre estes e os outros candidatos a proteção, porque ou há moralidade ou muita coisa ainda pode acontecer, pondo a nu ambientes de poder não escrutinado.
O que me preocupa neste caso é que, no âmbito do CES, há gente honrada que teve de conviver com o ego do Emérito ou do Papa como lhe queiram chamar, e um Papa com grande capacidade de captar financiamento europeu e sobretudo Estrela entre os movimentos latino-americanos mais radicais, que ensaiou novas metodologias de investigação social, que podem ser discutíveis em si, mas que foram praticadas com grande honestidade intelectual, levem agora com este enxovalho de uns tantos a mancharem uma instituição. Para o mal e para o bem, estamos numa instituição que quebrou a hegemonia do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa, desafiando alguma dessa ortodoxia, e que vive agora os riscos de uma investigação, muitas vezes sem a distância suficiente face ao mais agressivo ativismo político.
Sou um tipo aberto a questionamentos metodológicos, mas devo reconhecer que a aplicação do método científico a algumas destas incursões mais fora da caixa levanta um enorme criticismo que partilho e que alguns cientistas matemáticos ou físicos não se cansam de zurzir, desconfiados do enobrecimento injusto que resulta de os classificar como ciência.
Assim, por um lado, esta questão vem ao encontro das minhas dúvidas quanto a essa perigosa e nebulosa ligação entre investigação e ativismo. Por outro, sinto-me enojado com estes abusos de poder em ambientes claramente fora do escrutínio público, mostrando-nos com clareza que a miséria moral anda por aí, muitas vezes confundida com ortodoxias e conservadorismo, mas também frequentemente misturada com o alternativo ou o fraturante. E, Meus Amigos, miséria moral e abusos de poder em ambientes não escrutinados não têm orientação política. São simplesmente miséria moral de gente reprimida que deveria andar pelo psiquiatra a curar frustrações e não propriamente a orientar a investigação de outros.
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