segunda-feira, 10 de abril de 2023

LOUÇÃ E O BLOCO: DENTRO E FORA

A recente entrevista de Francisco Louçã ao “Expresso” é bastante reveladora. Por um lado, e como generalizadamente se reconhece, da sua sagacidade analítica, feita de competência técnica e experiência política ― como quando refere com propriedade que “Costa abre caminho para um Governo PSD-Chega” ou que “somos atrofiados pela ideia de que Portugal é um cantinho à beira-mar plantado, para os turistas passearem e estarmos de bandeja estendida à espera da gorjeta”. Por outro lado, e este ponto é a maior novidade, do seu embaraço pessoal (e má consciência, quem sabe?) enquanto mentor da estratégia que quase levou o Bloco de Esquerda à irrelevância (voto contra o Orçamento de Estado e significativo contributo para a dissolução por Marcelo da solução parlamentar vigente, vulgo “geringonça”) e da fuga para a frente com que vai propondo o continuado regresso a um sentido de radicalização nas respostas de protesto por parte do partido relativamente à atual conjuntura de maioria absoluta; com algum wishful thinking à mistura (“estou convencido de que, se houvesse agora eleições, o BE elegeria o dobro dos deputados que elegeu anteriormente”)...


Ao ler Louçã, tive alguma sensação de fim de ciclo, inexoravelmente do que foi marcado pela sua afirmativa liderança e subsequente influência em termos determinantes e também do de um BE cujas caras mais novas ou estão a todos os títulos longe de se aproximarem da capacidade política com que ele orientou os seus destinos (até pelo dogmatismo e arrogância que parecem ostentar) ou não possuem o carisma bastante para fazer ressaltar o seu brilho intelectual e técnico (caso muito particular de Mariana Mortágua). O que se traduzirá, se eu estiver a ver bem, numa cada vez mais continuada dificuldade de imposição do projeto do Bloco no seio da sociedade portuguesa, ou seja, na sua presença cada vez mais circunscrita a franjas urbanas, geracionais, fraturantes e amplamente minoritárias do eleitorado.

 

(a partir de Cristiano Salgado, https://expresso.pt)

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