quinta-feira, 27 de abril de 2023

E SE A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL …

 

(Por esse mundo fora e nos jornais e revistas de referência, a inteligência artificial agita debates e controvérsias. É a questão de saber se deve ou não ser suspensa, numa espécie de moratória para ser melhor dominada e compreendermos melhor o que podemos fazer com ela (posição suspensiva que não me agrada por aí além). É o exercício sistemático realizado por alguns, como Bradford DeLong, que experimentam o Chat GPT para demonstrar as suas inconsistências. São os que se maravilham com o device. São ainda os que engrossam as hostes do alarmismo, seja salientando o descontrolo, a revolução no emprego e nas ocupações ou outros malefícios ocultos. Todas essas perspetivas de debate são interessantes, mas existe uma, não anteriormente mencionada, que me interessa bastante. Como forma última e mais avançada da revolução no conhecimento, a inteligência artificial desperta esta questão decisiva: será ela o derradeiro argumento para consolidar o nosso pessimismo de que a inovação tecnológica favorece irredutivelmente as qualificações mais elevadas (e os empregos e ocupações que as mobilizam) em detrimento das qualificações mais baixas? Como imaginam, esta questão é crucial para percebermos se a inteligência artificial cavará ainda mais fundo a desigualdade nas sociedades mais avançadas ou se poderá trazer alguma esperança nessa matéria.

 

Para começar a manhã talvez seja uma questão demasiado densa, mas o trabalho profissional espreita na secretária e outras questões mais prosaicas têm de ser atacadas e por isso talvez seja uma boa hora para antecipar o que nos espera com a inteligência artificial em termos de desigualdade.

Num primeiro relance sobre o tema e sabendo nós que, em termos gerais, a inovação tecnológica tendeu sempre a protagonizar o que na economia da inovação se designa por “skill bias” (favorecimento das qualificações mais elevadas), seria de antecipar que a inteligência artificial operasse na mesma linha de onda, cavando ainda mais o fosso entre as baixas e as qualificações elevadas. Obviamente, que a IA está nos seus primórdios, sendo por isso provável que alguns dos seus efeitos mais ocultos não sejam ainda suscetíveis de ser antecipados. Mas seguramente que a questão do “skill bias” não terá escapado aos investigadores mais atentos e talvez exista já material sobre o assunto. O mesmo poderia ser dito quanto à hipotética destruição de emprego causada pela IA, mas aqui também economistas como Noah Smith têm-se notabilizado em demonstrar que, pelo menos por agora, a ideia de desemprego tecnológico em massa provocado pela IA é uma miragem (1).

A questão do “skill bias” é mais relevante, pois há quem defenda que essa é razão explicativa principal para o crescimento da desigualdade desde os anos 80 nas sociedades ocidentais mais avançadas.

A investigação sobre o tema começa a surgir, mas dei de caras com um artigo recente publicado pelo NBER – EUA (2) que me inspirou confiança, já que um dos seus autores é Erik Brynjolfsson, um dos mais salientes economistas da inovação, co-autor com Andrew McAfee de três obras seminais na matéria - The Second Machine Age, Race Against the Machine e Machine Platform Crowd (Harnessing our Digital Future).

O artigo estuda as condições de aplicação de um assistente de conversação concebido em IA, talvez uma das modalidades mais avançadas de inovação nesta área e por isso vale a pena refletir sobre a aparente surpresa dos resultados alcançados. Conforme era esperado, a investigação conclui sobre um aumento de produtividade de cerca de 14% nas estruturas de gestão analisadas, mas não é aí que a surpresa é notícia. O resultado da investigação demonstra que são os trabalhadores menos qualificados e com menor experiência (os noviços) que mais beneficiam do assistente de conversação e que é nesses trabalhadores que as melhorias de produtividade são mais acentuadas, estimadas em aumentos de 35% no desempenho hora. E regressamos por esta via a algo que já passou pela reflexão deste blogue e que não escapou à perspicácia de Noah Smith – no fim de contas, “os mais experimentados especialistas de engenharia de software, de gestão financeira e de comunicação empresarial podem chegar à conclusão de que com uma pequena ajuda de um assistente de IA, pessoas normais poderão fazer o seu trabalho”.

Se todas as formas de IA alinhassem por este diapasão, o “skill bias” estaria em causa. Mas estamos nos primórdios, apenas. Investigação adicional mostrará se podemos cavalgar a esperança ou se, pelo contrário, a IA colocará de vez a desigualdade como resultado da inovação tecnológica, exigindo políticas de mitigação dessa deriva.

(1) https://www.noahpinion.blog/p/four-interesting-econ-stories?utm_source=post-email-title&publication_id=35345&post_id=116988115&isFreemail=false&utm_medium=email

(2) https://www.nber.org/papers/w31161?utm_source=substack&utm_medium=email

 

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