Estes tempos iniciais de Lula têm corrido de acordo com o expectável, pesem embora as múltiplas dificuldades internas com que tem tido de lidar. São de saudar especialmente o regresso da dimensão social ao primeiro plano das prioridades governativas (aspeto profundamente decisivo num gigante com aquelas proporções de pobreza manifesta e/ou escondida) e um claro foco dirigido à dimensão ambiental (a ver quanto são boas intenções e anúncios e quanto corresponde a práticas efetivas), assim como os esforços no sentido de alguma reorientação da política económica (inflação, taxas de juro, crescimento).
Em contrapartida, parecem mais discutíveis as opções proclamadas em matéria de política externa, sendo as mais visíveis e discutíveis as que andaram em torno da subserviente visita de Lula à China (et pour cause...) e da amigável visita de Lavrov a Brasília por estes dias. Ao que poderia acrescentar os relacionamentos mantidos, retomados ou reforçados com países da Região, de Cuba à Venezuela, passando pela Argentina e outros vizinhos ditatoriamente comandados. Tudo é afinal simples de explicar: por um lado, trata-se do reconhecido cinismo da realpolitikreinante na diplomacia e nas relações externas, onde o realismo do poder económico (vejam-se os dados da infografia abaixo) e da proximidade imperam; por outro lado, trata-se do código genético-político de Lula, um homem voluntarista e geopoliticamente impreparado que foi ideologicamente formado numa tradição associada à heterodoxa esquerda sul-americana, alguém que privilegia as limitações desses seus feelinge modo de ser em desfavor de um jogo pleno e convicto no quadro de uma lógica democrática de feição ocidental (que no essencial compreende mas só parcialmente incorpora).
Há duas reações democraticamente possíveis ao atual Lula, o presidente brasileiro que virá a Portugal na semana próxima: uma, legítima mas meramente salvadora das consciências mais desajustadas, é a do protesto e da denúncia, insistindo na ideia verdadeiramente de que a guerra na Ucrânia nasceu de uma agressão indevida e internacional e humanamente inaceitável por parte da Rússia; a outra, provavelmente mais consentânea mas certamente também pouco eficaz no curto prazo, é a de uma efetiva procura de um encaixe de condicionar o sentimento de Lula trazendo-o para uma leitura de conjunto dos interesses económicos do seu país, matéria que obrigaria os Estados Unidos e a União Europeia a serem bem menos imperialistas, uns, e estrategicamente disseminados, outros (onde param, por exemplo, os acordos comerciais e de investimento com o Brasil e o Mercosul?). Assim se estaria ademais a contribuir para o forjar de uma nova ordem internacional, não a comandada pela afirmação chinesa mas uma que resultasse seriamente reformada em obediência à assunção das distorções e dos malefícios provenientes do “ocidentalocentrismo” que domina desde há séculos e está hoje, mais do que nunca, completamente fora da presente realidade concreta.
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