Pierre Rosanvallon, historiador (ou economista ou sociólogo?) e titular há mais de duas décadas da chaire de História Política Moderna e Contemporânea do Collège de France, anda por aí há anos a observar, estudar, refletir e pronunciar-se e assim a produzir matéria de monta para nos ajudar a interpretar e pensar. Já nos falou sobre o “capitalismo utópico” e “a crise do Estado-providência”, sobre “a nova idade das desigualdades” e “a democracia inacabada”, sobre “a contra-democracia” e “a idade da desconfiança”, sobre “a legitimidade democrática” e “a sociedade dos iguais”, sobre “refazer sociedade” e o “bom governo”, entre outros temas que dele fizeram um de há muito consagrado “evangelizador do mercado”.
Reencontrei ontem Rosanvallon nas páginas do “Libération”, numa interessante e estimulante entrevista sobre a sua leitura da atual situação política em França e das responsabilidades que atribui à ação do presidente Emmanuel Macron, bem sintetizada no título de primeira página do jornal: “uma arrogância alimentada de ignorância social” e na sua referência a uma “incapacidade para tomar em consideração a inquietude social profunda dos franceses”. O que ele atribui ao grande problema do presidente ser decorrente do facto de ele possuir uma experiência social e política limitada por ter passado diretamente da sombra para o Eliseu.
A entrevista é muito crítica, quase até destruidora em relação à imagem de Macron e ao seu modo de lidar com a crise em presença. Refere-se a “um poder tecnocrático que decreta regras a partir de cima na base de uma visão puramente estatística e global”, a “uma reforma paramétrica das reformas”, a uma incompreensão daquilo a que reconduz o termo “povo”, a uma distinção entre legitimidade de exercício e legitimidade moral com o presidente barricado no castelo da sua posição estatutária, a uma necessária regeneração da democracia em que “o poder aceite o princípio da interação com a sociedade”, a um bloqueio inédito e claramente exigindo que o governo faça marcha-atrás.
E, no entanto, difícil é não encontrarmos um ponto na insistência macroniste quanto à lógica razão de ser da sua proposta de reforma. Talvez que, no fundo, possamos estar confrontados com dois registos diversos mas complementares: o de uma sociedade carecida de reformas mas tendencialmente irreformável, por um lado, e o de um líder político incapaz de as impor convincentemente por falhas próprias de substância e experiência política, por outro. Como quer que seja, Macron tem em mãos um verdadeiro cu-de-boi e nada indica que a coisa termine positivamente ― mas não foi ele, afinal, quem há anos fez implodir sem quaisquer contemplações um sistema político que parecia dotado de checks and balances hoje praticamente introuvables?
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