sexta-feira, 14 de abril de 2023

COMO NÃO DESLIGAR DA MÁQUINA OS TERRITÓRIOS ESVAZIADOS

 


(O drama da baixa densidade combinada com declínio e esvaziamento demográficos representa um dos desafios mais tensos da coesão territorial em Portugal. Tenho disso consciência por via pessoal e profissional e em diversas ocasiões e oportunidades de trabalho ou de intervenção cívica tenho ensaiado alguns contributos. Imagino que seria para isso que o Círculo de Estudos do Centralismo nascido sob o ânimo da Câmara Municipal de Miranda do Douro teria vocação, mas receio ter-me enganado. Nos últimos tempos, aquele Círculo tem-se multiplicado em comunicações em torno da obra e publicações de alguns dos seus membros e fundadores, o que me parece uma forma algo estranha de contribuir com soluções para o esvaziamento. Mas não é esse o tema deste post. Se o esvaziamento é grave em Portugal, em Espanha não o é menos e, do ponto de vista político, as últimas eleições determinaram a presença no Congresso dos Deputados (Parlamento espanhol) de um deputado do TERUEL EXISTE, uma formação política saída de um território mítico da Espanha “esvaciada”, Teruel, onde tive, bem lá trás no tempo, uma missão de trabalho europeia como avaliador de um projeto de cooperação inter-regional que tinha a figura de GOYA como expoente desse território. É sobre uma proposta dessa formação política, TERUEL EXISTE, que o jornalista Juan Navarro do El País (1) elaborou uma deliciosa notícia, que essa sim representa a inspiração direta para a reflexão de hoje.

 

A proposta do TERUEL EXISTE incide sobre uma das realidades mais características e também mais ameaçadas da chamada Espanha esvaciada que são os pequenos bares dos pueblos. Retirando a realidade dos Centros de Dia, a qual não conheço muito bem do ponto de vista da sua expressão em Espanha, os pequenos bares dessa infinidade de pueblos que caminham aceleradamente para a figura de povoações-fantasma constituem os derradeiros espaços de socialização (a pequena charla, os jogos de cartas, a arte de mal dizer, o pincho, a copa e todas as outras formas de socialização de uma população cada vez mais isolada e reduzida). A proposta do TERUEL EXISTE aponta para transformar os bares dos pueblos no que poderíamos designar de economia social destes territórios, com as vantagens económicas, fiscais e administrativas associadas.

A proposta é bondosa, tem sentido, mas resta avaliar se os incentivos que a legislação regra geral considera para assegurar a dinamização da chamada economia social serão suficientes para assegurar o não encerramento destes últimos bastiões da socialidade na baixa densidade, termo talvez demasiado adocicado para descrever a gravidade do esvaziamento. Mas uma coisa em que todos estamos de acordo é a perceção de que encerrados estes espaços a aglomeração ressente-se imediatamente. Outra coisa bem mais difícil é consensualizar formas concretas de evitar esse encerramento, que podem ir das formas mais indiretas dos incentivos à dinamização da economia social até às formas mais voluntaristas dos organismos locais se substituírem à propriedade privada, assegurando a sua continuidade mesmo se a lógica do mercado e se os interesses dos seus proprietários conduzissem a uma decisão lógica de encerramento.

A metáfora é cruel e deselegante, mas podemos avançar com a ideia do permanecer ligado à máquina para assegurar as funções vitais da socialização como a única e possível oportunidade para evitar a consumação do desastre. Obviamente que teremos gente a apelar ao realismo e que não terá sentido chegarmos a fórmulas extremas do público substituir-se ao privado para assegurar o tal mínimo de socialização. Aqui a minha posição é clara: os territórios devem ter o direito a decidir o seu destino. Se os locais entendem que o seu pequeno ayuntamiento ou junta de freguesia deve impedir o encerramento do serviço, isso deve fazer parte claramente do programa político local apresentado em eleições e se nelas for validado então está democraticamente justificada.

Termino com a verificação e interpretação de uma evidência.

Em Espanha, foi por iniciativa de uma formação política gerada a partir da Espanha esvaciada que surgiu esta proposta no Congresso dos Deputados. E a pergunta é inevitável: será que foi necessário aparecer no panorama político espanhol uma formação específica para o possibilitar? Ou será que poderia ter sido o resultado da iniciativa de uma formação política nacional?

É esta questão que verdadeiramente me interessa em toda esta problemática do estar ou não ligado à máquina.

(1) https://elpais.com/espana/2023-04-14/salvar-el-bar-del-pueblo-el-congreso-estudia-proteger-con-ayudas-los-locales-que-insuflan-vida-a-municipios-pequenos.html

 

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