terça-feira, 7 de dezembro de 2021

UMA SUCESSÃO PREPARADA AO MILÍMETRO

 


(Era com algum orgulho que os meus Amigos galegos, com os quais sempre discuti cooperação transfronteiriça e transformação urbana, falavam da Zara e da sua projeção no mundo, mesmo que lhes calhasse mais de feição o percurso do Adolfo Domínguez. Mas, curiosamente, foi um livro também de autoria de galegos, Xabier Blanco e Jesús Salgado, nascidos respetivamente na Corunha e em Ourense, publicado pela Esfera dos Livros em versão portuguesa em 2006, que comecei a interessar-me pelo modelo Zara e pelo que ele significa de inusitado – a formação de uma empresa global a partir da periferia. É com esse referencial que analiso a meticulosamente preparada sucessão de Amâncio Ortega a favor da sua filha, do seu segundo casamento, Marta Ortega, operação que para ser bem compreendida tem de chamar à análise outras personagens, não propriamente sombra, mas que preparam rede a montante.)

O livro de Xabier Blanco e Jesús Salgado, DE ZERO a ZARA, lê-se de um fôlego tal é a densidade evolutiva da explicação do processo de crescimento dessa empresa global, a partir das suas raízes na Corunha. Na origem do projeto está um homem Amâncio Ortega, que apresenta traços de vida muito similares a alguns dos nossos grandes Capitães da Indústria, mas que cavalga a sua trajetória para a projeção mundial em termos que é muito difícil replicar noutros contextos. A sua origem de nascimento esteve muito tempo interrogada, pois não abundavam elementos de registo, mas a perspetiva oficial é que Ortega nasceu na povoação de Busdongo na província de Leão, no mesmo dia de 28 de março de 1936 em que nascia Mario Vargas Llosa e numa altura em que Manuel Azaña era eleito presidente da República espanhola. A sua ida para a Corunha deve-se à deslocação do seu pai, funcionário ferroviário, que aí procurou transferência. Amâncio Ortega debutou profissionalmente numa camisaria elegante da zona portuária da Corunha, a Camisaria Gala, mas haveria de ser na loja de vestuário La Maja que haveria, já com a presença de dois dos seus irmãos, de ser segundo Blanco e Salgado o novelo da Inditex.

Compreenderão que o objetivo do post não seja reproduzir a fabulosa história de vida de Ortega, para isso recomendo o livro de Blanco e de Salgado, mas antes o de trazer aqui a sua coerência. Assim como nasceu para o negócio, cresceu e estabilizou o seu vasto negócio global, também a preparação da sua sucessão obedeceu a um processo de rigorosa preparação, culminando a semana passada na eleição da sua filha Marta Ortega para a Presidência do Grupo.

O modo tenaz e inteligente como a estrutura de capital da INDITEX foi sendo mantida é um caso notável de perseverança e de coerência na condução de uma estratégia até chegar à sua dimensão de empresa global. Recorde-se que a sua primeira mulher, Rosalia Mera que conheceu na loja de vestuário La Maja, continua apesar do divórcio a possuir uma percentagem representativa do capital do grupo, o que ilustra a capacidade de Ortega urdir a estabilidade da estrutura acionária que se tem mantido.

Dizem os analistas que Ortega terá conseguido resolver um problema em que muitas empresas com estrutura original familiar falham redondamente, apostando na sua filha mais nova para a função de Presidente do Grupo Inditex. Marta Ortega Pérez terá sido preparada também com vivência do mundo da moda e mergulho na cena internacional (a entrevista ao Wall Street Journal de setembro de 2021 é um marco), mas o facto mais relevante terá sido o valioso trabalha de sapa e de estabilização de todo o negócio internacional e digital da Zara a cargo de Pablo Isla, que foi desenvolvido desde a saída do próprio Amâncio da gestão do grupo. Os jornais galegos, particularmente a jornalista Sofía Vásquez da VOZ DE GALICIA, anotam a forte cumplicidade de Pablo Isla na preparação de todo o processo, desbravando caminho a um novo Diretor Executivo (Óscar García Maceiras) que responderá perante a nova Presidente do Grupo.

Não deixa de ser curioso que Amâncio Ortega tenha preparado todo o processo num período em que dava sinais de diversificação dos seus próprios investimentos (a sua fortíssima aposta nas renováveis).

Coerência de vida e de presença nos negócios, desde a primeira loja até ao estatuto de empresa global, Amâncio continuará sem gabinete próprio no grupo, antes ocupando uma mesa de trabalho no departamento da Zara Woman, prática também seguida pela sua filha e sucessora Marta.

Será que isto é simbólico de que a sucessão é uma cuidadosa transmissão da cultura de negócio e de empresa que subjaz ao grupo INDITEX e à sua marca mais projetada no mundo?

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