Lamento muito sinceramente todo o triste e penoso processo que conduziu à demissão e exoneração de Eduardo Cabrita. Por um lado, porque de há longo tempo que o tinha por um agente político sinceramente empenhado numa ação pública consequente e conduzida em nome de valores distintivos. Por outro lado, porque o desenrolar dos incontáveis episódios da novela em que se consubstanciou o “caso Cabrita” veio notoriamente pôr a descoberto quanto o poder distorce e corrói aflitivamente o entendimento dos seus titulares, num fechamento absurdo que atinge tudo e todos aos mais diversos níveis (do primeiro-ministro aos ministros e secretários de Estado, destes aos diretores-gerais mais envolvidos e aos membros dos gabinetes dos membros do Governo).
Na realidade, Cabrita em exercício foi uma sombra da imagem de sobriedade e idoneidade que dele tinha formado, mostrando-se sempre mais vaidoso, autoritário e acossado do que o que parecia estar na essência do seu modo de estar; como foi também um ministro lento, pesadão e nada estrategicamente determinado, capaz como se revelou de ir acumulando “casos e casinhos” (alguns bem graves, outros talvez nem tanto) sem qualquer capacidade para rechaçar o secundário e se focar no essencial. Sendo que o dia da saída constituiu “a cereja no topo do bolo”, quer naquela tirada matinal infeliz do “sou só um passageiro”, quer no teor do discurso de despedida (mais de balanço e “louva a eu” do que focado no que ali estava em causa), quer nas referências a um abandono em nome da solidariedade com o primeiro-ministro e o Partido Socialista (um manifesto “tiro no pé”, indiciador de uma prevalência da lógica partidária e pessoal sobre uma lógica guiada pelo humanismo e pela ética).
Não querendo glosar muito mais em torno do tema, sublinharei apenas a concluir quão desastrosa foi, em cúmulo, a gestão da presença de Cabrita por parte de um António Costa sempre dividido entre o otimista irremediável e o chefe arrogante; ganhou assim mais uma componente de passivo na sua “caderneta” política, a qual se soma a outras que provieram do seu taticismo e da sua teimosia, como seja aquela que se liga às remodelações imperiosas que nunca quis fazer em nome de uma unidade governamental que hoje questiona quando fala de um futuro governo como devendo ser mais curto é mais ágil, renovado e mais compacto ― mais ainda irá a tempo de voltar a convencer os portugueses no sentido de concretizar esse desiderato?
Tristemente, ao dizer que era apenas um 'pasageiro', aos olhos da lei o Ministro tinha razão.
ResponderEliminarResta abordar a questão da brandura da acusação deduzida contra o motorista - e, talvez, por arrasto ao ilustre Passageiro.
A conclusão por existência de negligência, de mera culpa, parece inaceitável tratando-se de uma viatura que terrá irrompido, a mais de 160 km/h, por uma zona de obras onde, mais do que provavelmente, estariam pessoas a trabalhar, o que faz toda a diferença.
A opção por homicídio por negligência parece, assim, absolutamente desadequada, devendo ser substituída pela de homicídio simples com dolo eventual.
Deixei umas palavras sobre o tema em https://mosaicosemportugues.blogspot.com/2021/12/motorista-de-cabrita-negligencia-ou.html, que convido a visitar.
Bom fim de semana.