Tenho assistido atónito ao espetáculo de sabujice, covardia e ignorância com que a maioria dos políticos e comentadores (porque há honrosas exceções) receberam a aprovação do plano de reestruturação da TAP pela Comissão Europeia. Pedro Nuno Santos, o perigoso esquerdista do PS passou repentinamente a ser encarado como um grande negociador e alguém merecedor de louvores públicos; sendo eu insuspeito, porque já aqui me declarei admirador da sinceridade e coragem política do ministro das Infraestruturas, creio que não é de todo caso para tanta louvação em face de um dossiê cheio de decisões conjunturalmente empurradas com a barriga, nomeadamente no tocante ao veredito politicamente condicionado da ex-feroz DG Concorrência de Margrethe Vestager (António Costa tem mesmo alguma capacidade de influenciar algumas coisas em Bruxelas e a União não está em momento de comprar guerras em nome de trocos), e sub-repticiamente asseguradas para limpeza de consciência e salvaguarda de interesses por alçapões disfarçados para que só emirjam em factos consumados até agora repelidos e sejam revelados em futuros mais ou menos longínquos.
Ainda não tinha eu tido a oportunidade de analisar com detalhe os contornos integrais da decisão comunitária e os seus impactos nacionais, veio ontem Rui Moreira (dando voz à servilmente inexistente Área Metropolitana do Porto) tirar-me algumas palavras da boca ao defender em Assembleia Municipal que o Estado deve atribuir um subsídio (ou compensação financeira) semelhante ao que é dado às Regiões Autónomas (100 milhões de euros anuais) para captar companhias aéreas para o aeroporto Francisco Sá Carneiro. E explicou claramente o porquê dessa sua posição: (i) quer as declarações do ministro ― em que ficou "absolutamente claro" que "a importância da TAP é para o 'hub' de Lisboa, que a manutenção da TAP se deve ao 'hub' de Lisboa, e que é assim que esta TAP, ou 'Tapinha', como quiserem, vai funcionar" ― quer as da presidente executiva da TAP ― em que foi dado por adquirido que o Porto "nunca será" um segundo “hub” para a companhia aérea ―, deixaram o aeroporto Francisco Sá Carneiro numa situação de inaceitável “orfandade” estratégica nacional; (ii) dado que a crise que se vive na aviação conduziu a que várias companhias abandonassem a sua operação no Porto, torna-se forçoso um esforço de captação de novas rotas e "se a TAP não o quer fazer, ou não o vai fazer ― é um pouco irrelevante fazer a análise psicológica desta questão, (...) acho que a TAP é a última companhia colonial a existir em Portugal, mas não é isso que conta ― temos de encontrar outros"; (iii) "para encontrar outros, é preciso uma migalha daquilo que é gasto para manter o 'hub' de Lisboa", pelo que seria relevante que o Porto ― não posso falar por Faro ― reclamasse, pelo menos, um montante equivalente [às Regiões Autónomas], até porque a nossa Área Metropolitana é muito maior, não tem é o problema da insularidade"; (iv) “não queremos 'hub' nenhum, queremos ter um aeroporto Francisco Sá Carneiro que seja servido, não apenas para turistas [“o Porto e Norte têm-se revelado destinos turísticos dos mais procurados do país e é "toda uma economia que gira em volta disto, toda uma economia que está ancorada em volta do aeroporto Francisco Sá Carneiro, em que o Porto é uma centralidade”], mas para toda a atividade económica que precisamos de atrair” (e sustentar, junto eu); (v) até porque “isto não é aeroporto do Porto, é o aeroporto que, estando no Porto, serve todo o Norte do país e dá ao Porto uma inequívoca capitalidade em termos do Noroeste peninsular”.
E, assim, ainda não foi hoje que aqui analisei a substância do dossiê TAP, mas a oportunidade aberta por Rui Moreira estava aí mesmo à mão para que não deixasse fugir a pretexto da “salvação” da TAP uma demonstração concreta do que é o centralismo a funcionar em Portugal sem que a maioria dos responsáveis e formadores de opinião sequer dele se deem conta...
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