quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

DESIGUALDADE E MUDANÇA CLIMÁTICA

 


(A publicação do Benchmarking Working Europe 2021, https://www.etui.org/publications/benchmarking-working-europe-2021, dedicado à questão da desigualdade traz novos elementos sobre o tema, com foco muito particular numa questão em que tenho insistido nos últimos tempos, a da imperiosa necessidade de situar a mitigação da mudança climática no quadro do agravamento das desigualdades que a pandemia trouxe à Europa e ao seu modelo social. Numa agenda europeia que está já amplamente formatada, transformada em condicionalidade a que as programações nacionais devem responder, esta questão emerge como crucial para adaptar a Agenda às especificidades nacionais…)

Eis o ponto:

“A pirâmide da desigualdade da mudança climática e da sua mitigação

As desigualdades relacionadas com a mudança climática têm múltiplas dimensões e níveis, que interagem entre si de modo complexo. Enquanto que os 10% mais ricos são responsáveis pela mesma quantidade de emissões que a produzida pelos 50% mais pobres, isso significa que são os pobres – que também têm a mais baixa capacidade de adaptação – os que serão mais duramente atingidos pela mudança climática e pela poluição. De maneira a prevenir um forte agravamento da desigualdade induzido por uma futura catástrofe climática, são agora necessárias políticas climáticas ambiciosas. Contudo, essas políticas correm também o risco de provocar efeitos desiguais a curto prazo e isso deve ser tido em conta para assegurar que a transição para a neutralidade carbónica seja justa. É a única maneira de evitar que as desigualdades cresçam em espiral e que, em poucas décadas, se traduzam numa viagem desastrosa para um barco que será demasiado pequeno para acomodar toda a gente”.

O tema da mitigação da mudança climática tem feito o seu caminho em Portugal sobretudo através da qualidade do sistema científico nacional, que tem trazido uma grande robustez a algumas dimensões da abordagem à mudança climática, como por exemplo a questão da economia circular, da transição energética, dos novos materiais e do reaproveitamento de resíduos por exemplo. As organizações ambientalistas em Portugal estão ainda em transição de uma fase em que foram essencialmente as questões ambientais a mover o dinamismo participativo para uma outra em que a questão da mudança climática seja passível de uma abordagem mais integrada, envolvendo produção, consumo, distribuição e modos de comportamento. Tem sido sobretudo a qualidade e intervenção do sistema científico que têm enquadrado a elaboração dos planos de mitigação da mudança climática propostos para diferentes territórios, cuja operacionalização ainda está em vias de maturação.

Mas de todo esse trabalho e de todas essas referências, pouco tenho visto sobre esta questão da desigualdade e da mudança climática. Essa ausência explica por exemplo que as teses do “decrescimento” como pretenso antídoto eficaz para a crise climática tenham suscitado tão pouca reação crítica em Portugal.

Que esta publicação da qual selecionei o excerto acima tenha origem numa organização ligada ao mundo do trabalho tem para mim um grande significado. Não concebo a formatação da agenda da mudança climática para o próximo período de programação sem esta componente e por isso tanto me tenho batido por inscrever a questão fiscal e da política de rendimento no cerne da transição energética e climática.

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