2021 chega ao fim! Um ano difícil, dificílimo mesmo e atravessado por momentos muito dolorosos a variadíssimos títulos (bem para além das flutuações e dos dramas associados à crise pandémica), apenas entrecortados por pequenas abertas de consolação mais ou menos reconfortante.
Coronavírus à parte ― como se tal fosse realisticamente possível! ―, elejo recordar quatro temas maiores que marcaram o ano que termina (ilustrados com recurso ao “El País”), deixando sinais preocupantes em planos tão diferenciados quanto os da estabilidade das democracias, dos riscos dos fundamentalismos, do alastramento das dinâmicas xenófobas e das ameaças ambientais.
A primeira inquietação surgiu logo no início do ano com o assalto ao Capitólio, o coração da democracia americana, por um grupo significativo de partidários do presidente derrotado (esse inenarrável Donald Trump que tanta falta nos não tem feito nestes sucessivos meses de relativo silêncio a que foi reduzido!) focados numa anulação das eleições por alegadas fraudes (negadas em todas as instâncias judiciais). A fragilidade da democracia ficou à vista, tanto mais quanto o abalo ocorreu no país que domina a ordem internacional liberal vigente.
O segundo fator de revolta e consternação aconteceu no Afeganistão, onde o Ocidente se deixou perder uma guerra já longa (Biden foi intransigente neste plano e tornou-se um responsável objetivo por muito do sofrimento agravado que a sua decisão de abandono provocou) e assim permitiu a geração de uma situação descontrolada em que o medievalismo do regime talibã foi alimentando uma terrível crise humanitária. Foram chocante as imagens das tentativas de fuga por parte da maioria dos cidadãos (foram 200 mil os que tiveram sucesso), como aquela atropelada evacuação de 640 pessoas para o Catar a bordo de um avião da força aérea dos Estados Unidos, tal como vão sendo chocantes as imagens que quotidianamente nos chegam sobre as manifestações de resistência (nomeadamente feminina) e as arbitrariedades dos novos senhores.
A terceira razão de irresistível angústia proveio das recorrentes exibições de iniquidade e horror provenientes das múltiplas histórias vividas pelos protagonistas de tentativas migratórias ocorridas em muitas zonas de todos os grandes continentes. Destaque (?) talvez para os 1,7 milhões de 160 nacionalidades que foram intercetados e deportados ao querem cruzar ilegalmente a fronteira México-EUA ou para a novidade da estimulação bielorussa à movimentação de pessoas do Médio Oriente para a Europa através da Polónia e dos países bálticos (aqui com uma agravada dimensão política antieuropeia bem visível por parte do Lukashenko e da dupla Duda/ Morawiecki). Sem esquecer o Mediterrâneo e as especiais situações da Grécia e da Itália.
A última dimensão que selecionei teve incontáveis manifestações de evidência ao longo do ano e em todas as partes do mundo. Foram recorrentemente noticiadas chuvas torrenciais, inundações (como na Alemanha, no Brasil ou na Índia), fogos (como na costa oeste dos Estados Unidos, no Canadá ou na Rússia), sismos (como no Haiti e na Turquia), tempestades tropicais, ondas de calor, furacões e ciclones, erupções vulcânicas (como em Java, Indonésia), derrocadas de glaciares e até uma histórica tempestade de neve em Madrid. Mas porque aconteceu aqui mesmo ao lado a erupção do vulcão “Cumbre Vieja” (adormecido desde 1971) na ilha de La Palma mereceu uma especialíssima atenção, durando mais de três meses (de setembro a dezembro), desalojando milhares de pessoas e modificando decisivamente a configuração da ilha e a sua paisagem (na imagem abaixo montanhas de cinza praticamente sepultam uma casa). Tudo fenómenos que teriam justificado que a Cimeira do Clima, realizada em Glasgow, tivesse sido mais construtiva e promissora.
E por aqui me fico, consciente do relativo enviesamento das minhas opções, legítimas e justificadas no entanto. Sendo que tanto mais poderia ser retido deste 2021, como o ilustram os passos dados pelo G7 em Carbis Bay (UK) no sentido de um histórico acordo para o estabelecimento de um imposto mínimo universal sobre as empresas ou as eleições alemãs e a vitória dos social-democratas de Olaf Scholz e consequente saída de Angela Merkel ou, ainda e numa outra focagem, o redobrar de expressões ditatoriais e antidemocráticas ou populistas no mundo (de Myanmar à Arábia Saudita, da Síria à Venezuela, de Hong-Kong à Rússia, do Brasil à Argentina, das Filipinas ao Brunei, do Sudão ao Mali, da Bielorrússia a diversos governos da Europa de Leste). Uma coisa é certa: 2021 não deixa grandes saudades (como o nosso sempre presente El Roto o exprime, a seu brilhante e exacerbado modo, na vinheta abaixo); e a pandemia não é, nem de longe nem de perto, a única ou principal responsável por isso.
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