domingo, 19 de dezembro de 2021

A ELEGÂNCIA POLÍTICA DE CARLOS BRITO

 


(As palavras de Carlos Brito são tão calmas e serenas como as águas do Guadiana que fluem junto à sua residência em Alcoutim, onde recupera de uma longa hospitalização e resiste com os seus 88 anos de idade. Não há uma ponta de azedume no seu discurso crítico relativamente ao modo como o PCP o afastou e sobretudo em relação ao posicionamento do partido na situação atual. E não desiste de defender, o que me parece ser uma posição de grande lucidez, que o PCP teria toda a vantagem em dialogar com os chamados Renovadores em que ele se integra.)

A entrevista de Carlos Brito ao Público de hoje é um documento de grande interesse para a história da esquerda em Portugal, sobretudo para aquela que rompeu com a influência e com a integração do PCP, particularmente com o seu dogmatismo e com a sua fatal incapacidade de compreender que as condições objetivas para a sua integração na sociedade portuguesa mudaram radicalmente. Na entrevista, é visível que a sua posição face ao Partido Socialista se afasta em grande medida da que o PCP de Jerónimo continua a manter, apesar da sua óbvia empatia com António Costa. E na sua voz compreende-se que existe ali uma longa tradição de maturação política, que o conduz por exemplo a compreender que a ascensão de Rui Rio é para levar a sério e, já fora do âmbito da entrevista, que já cheira a poder no PSD e que esse olfato vai ser a principal motivação das hostes do PSD nesta batalha eleitoral. Brito é claríssimo quando não alinha com o pseudo prejuízo que a geringonça terá provado ao PCP. Para ele, pelo contrário, foi o corte com os Renovadores que marcou o início do declínio eleitoral do partido.

Pressente-se nas entrelinhas que Brito ficaria ainda mais em paz se houvesse um reinício do diálogo de Jerónimo com os Renovadores, que tem sido tentado, embora sem êxito. E compreende-se também que o velho comunista permanece fiel às teses do Grande Impulso apresentado pelos Renovadores e que desconhecia que teria sido aprovado por maioria na Comissão Política e também no Comité Central onde Cunhal foi derrotado em relação a essa matéria. E até acusa o toque de não terem conquistado o chamado “aparelho” do partido e que terá sido esse aparelho a conduzir o “trabalho fraccional” que conduziu à saída dos Renovadores.

Pressente-se também a fortíssima ligação de Carlos Brito ao já desaparecido Luís Sá e que foi precisamente esta personalidade que representou a principal fonte de discórdia com Álvaro Cunhal e o soneto (Dúvidas) que lhe dedicou cujo início ele reproduz na entrevista:

“As dúvidas todas numa balança

Peso as certezas num outro lado

Fico aguardando o resultado

Mas à cautela junto-lhe a esperança”.

Estou praticamente convencido, e que me perdoe o meu Amigo Josué Caldeira, que o velho PCP nunca dará o braço a torcer e que nunca reatará o diálogo com os Renovadores. E levanta-se aqui a questão de saber como é que, face ao declínio eleitoral e também demográfico da organização, será possível ao PCP fazer a sua própria transição demográfica. A questão da habitação abre uma frente de oportunidade nessa matéria, e a candidatura de João Ferreira à Câmara de Lisboa podia ter sugerido essa via, mas não conheço que sinais estejam a ser revelados em matéria de rejuvenescimento da organização. O próprio Carlos Brito refere que não consegue perspetivar sinais de mudança e de arejamento

Veremos que choque eleitoral, negativo ou positivo, enfrentará o PCP nas eleições de janeiro de 2022. Reformar a partir de choques negativos, com declínio manifestado, que pode bem acontecer nas próximas eleições, será sempre mais traumático do que uma reconversão endógena, conduzida por uma melhor interpretação das condições objetivas.

Até lá fica esta visão lúcida, informada e sobretudo nunca amarga de um afastamento que Carlos Brito expressa com padrões de elegância política a que já não estamos habituados.

 

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