Já não tarda muito que os nossos grandes órgãos noticiosos se lancem no desafio de escolher os melhores do ano, nacional e internacionalmente, pessoal e factualmente. Um exercício inócuo, a que eu próprio não resisti em outros anos, mas um exercício crescentemente previsível dado o modo fantasioso e pouco criterioso como tais entidades vão encarando o devir dos acontecimentos e respetiva realidade.
Vem tudo isto a propósito do peculiar 2021 nacional que vivemos e estamos à beira de encerrar. E eu pergunto: quem foi para a maioria dessa gente a figura do ano em Portugal senão ― quase que aposto, e o DN já o começou a confirmar! ― o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo? Esta escolha encerra em si vários vícios, não obviamente o de a dita figura não ter cumprido com extraordinário zelo e profissionalismo a missão de vacinação que lhe foi dada comandar mas sim o de misturar alhos com bugalhos (trata-se de indicar alguém com história e estatura (re)conhecidas e/ou atos e omissões suficientemente fraturantes para mudarem rumos e tendências em curso, não tanto alguém que foi eficaz num dado desempenho, por muito que este corresponda a algo de especialmente relevante numa determinada conjuntura) e de arriscar o fomento de messianismos despropositados e potencialmente perigosos (veja-se como evoluiu a posição do vice-almirante quanto a um envolvimento político futuro, antes um autoconsiderado "péssimo político" e agora senhor de respostas do tipo “o futuro a Deus pertence” acerca de uma hipotética candidatura a Belém).
No registo que vai sendo consagrado, e ainda que com algum exagero comparativo, porque não apontar esse Ruben Amorim que levou o Sporting à conquista do título nacional após dezanove anos de jejum e que o apurou entretanto para os Oitavos da Liga dos Campeões? Ou a dupla Catarina-Jerónimo que conseguiu a proeza de derrubar o governo de modo nunca visto em países dominados pela normalidade institucional e, assim, contribuiu para uma incerteza e instabilidade que ninguém e nenhuma força verdadeiramente pretendia? Ou Eduardo Cabrita que todo o ano nos brindou com demonstrações inequívocas em termos de aprendizagem sobre como não exercer o poder e como ser contribuinte ativo na delapidação da imagem de um coletivo governamental que se integra? Ou Carlos Moedas, afinal o vencedor (mesmo que fortuito) da eleição municipal que quase exclusivamente conta num país político orgulhoso do grau de centralismo que o nosso exibe? Ou Rui Rio, esse político nacionalmente adorado enquanto dirigiu a Câmara do Porto do modo boçal e fanfarrão que os portuenses sentiram, depois transformado pelos “donos da opinião pública” num oposicionista incapaz a António Costa e num incapaz perdedor sem espinhas às mãos do velho aparelho social-democrata, finalmente proclamado hoje por quase todos esses em alguém a ter em conta no processo eleitoral que culminará a 30 de janeiro? Ou... eu sei lá, tantos outros figurões?
Não, desgraçadamente em Portugal não se destacou em 2021 nenhuma figura nacional digna desse nome. Só tivemos gestores mais ou menos amorfos da coisa pública (com a dupla Costa/Marcelo, ou Marcelo/Costa se preferirem, ao leme) e executores mais ou menos (in)competentes das suas obrigações (com destaque para o dito vice-almirante). Ah, mas tivemos uma perda enorme, uma dessas perdas que comove e abala aquelas componentes de um país que ainda se respeitam a si próprias e orgulham da sua vinculação coletiva, Jorge Sampaio.
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