domingo, 19 de dezembro de 2021

2021 TEM FIGURA?

Já não tarda muito que os nossos grandes órgãos noticiosos se lancem no desafio de escolher os melhores do ano, nacional e internacionalmente, pessoal e factualmente. Um exercício inócuo, a que eu próprio não resisti em outros anos, mas um exercício crescentemente previsível dado o modo fantasioso e pouco criterioso como tais entidades vão encarando o devir dos acontecimentos e respetiva realidade.

 

Vem tudo isto a propósito do peculiar 2021 nacional que vivemos e estamos à beira de encerrar. E eu pergunto: quem foi para a maioria dessa gente a figura do ano em Portugal senão ― quase que aposto, e o DN já o começou a confirmar! ― o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo? Esta escolha encerra em si vários vícios, não obviamente o de a dita figura não ter cumprido com extraordinário zelo e profissionalismo a missão de vacinação que lhe foi dada comandar mas sim o de misturar alhos com bugalhos (trata-se de indicar alguém com história e estatura (re)conhecidas e/ou atos e omissões suficientemente fraturantes para mudarem rumos e tendências em curso, não tanto alguém que foi eficaz num dado desempenho, por muito que este corresponda a algo de especialmente relevante numa determinada conjuntura) e de arriscar o fomento de messianismos despropositados e potencialmente perigosos (veja-se como evoluiu a posição do vice-almirante quanto a um envolvimento político futuro, antes um autoconsiderado "péssimo político" e agora senhor de respostas do tipo “o futuro a Deus pertence” acerca de uma hipotética candidatura a Belém).

 

No registo que vai sendo consagrado, e ainda que com algum exagero comparativo, porque não apontar esse Ruben Amorim que levou o Sporting à conquista do título nacional após dezanove anos de jejum e que o apurou entretanto para os Oitavos da Liga dos Campeões? Ou a dupla Catarina-Jerónimo que conseguiu a proeza de derrubar o governo de modo nunca visto em países dominados pela normalidade institucional e, assim, contribuiu para uma incerteza e instabilidade que ninguém e nenhuma força verdadeiramente pretendia? Ou Eduardo Cabrita que todo o ano nos brindou com demonstrações inequívocas em termos de aprendizagem sobre como não exercer o poder e como ser contribuinte ativo na delapidação da imagem de um coletivo governamental que se integra? Ou Carlos Moedas, afinal o vencedor (mesmo que fortuito) da eleição municipal que quase exclusivamente conta num país político orgulhoso do grau de centralismo que o nosso exibe? Ou Rui Rio, esse político nacionalmente adorado enquanto dirigiu a Câmara do Porto do modo boçal e fanfarrão que os portuenses sentiram, depois transformado pelos “donos da opinião pública” num oposicionista incapaz a António Costa e num incapaz perdedor sem espinhas às mãos do velho aparelho social-democrata, finalmente proclamado hoje por quase todos esses em alguém a ter em conta no processo eleitoral que culminará a 30 de janeiro? Ou... eu sei lá, tantos outros figurões?


(cartoons de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)


Não, desgraçadamente em Portugal não se destacou em 2021 nenhuma figura nacional digna desse nome. Só tivemos gestores mais ou menos amorfos da coisa pública (com a dupla Costa/Marcelo, ou Marcelo/Costa se preferirem, ao leme) e executores mais ou menos (in)competentes das suas obrigações (com destaque para o dito vice-almirante). Ah, mas tivemos uma perda enorme, uma dessas perdas que comove e abala aquelas componentes de um país que ainda se respeitam a si próprias e orgulham da sua vinculação coletiva, Jorge Sampaio.

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