domingo, 26 de dezembro de 2021

A ITÁLIA E DRAGHI ENTRE PALÁCIOS

(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

Mario Draghi continua na crista da onda política em Itália e na Europa. Desta vez, o seu raro foco e a sua enorme competência levaram a que a “The Economist” escolhesse a tão longamente descredibilizada Itália como “país do ano”, muito por via da sua notável ação no sentido de obter os meios (nomeadamente um PRR no valor de 261 mil milhões de euros) e definir o rumo para colocar a economia italiana no caminho de uma recuperação que já parecia inviável e da sua firmeza no combate à pandemia.

 

Assim o justificou, após um ano noticioso em que sempre saudou Draghi (gives Italy another chance, à chegada, ou Italy’s new prime minister has had a good first nine months, num balanço de quase um ano): “Essa honra vai para a Itália. Não pela proeza dos seus jogadores de futebol, que ganharam o maior troféu da Europa, nem por suas estrelas pop, que ganharam o festival de música da Eurovisão, mas pela sua política. A ‘The Economist’ criticou frequentemente a Itália por escolher líderes, como Silvio Berlusconi, que bem poderiam mais utilmente ter seguido a admoestação da canção vencedora da Eurovisão de ‘calar a boca e comportar-se’. Por causa de uma governação fraca, os italianos estavam mais pobres em 2019 do que em 2000. Mas a Itália mudou neste ano. Adquiriu, em Mario Draghi, um primeiro-ministro competente e respeitado internacionalmente. Pela primeira vez, uma ampla maioria de seus políticos enterrou as suas diferenças para apoiar um programa completo de reforma por forma a permitir que a Itália receba os fundos a que tem direito no quadro do plano de recuperação pós-pandemia da UE. A taxa de vacinação italiana é cobiçada por estar entre as mais altas da Europa. E, depois de um difícil 2020, a sua economia está a recuperar mais rapidamente do que as da França ou da Alemanha. Há um perigo de que esta explosão incomum de governação sensata possa ser revertida. Draghi quer ser presidente, um cargo mais cerimonial, e pode vir a ser sucedido por um primeiro-ministro menos competente. Mas é difícil negar que a Itália de hoje é um lugar melhor do que era em dezembro de 2020. Por isso, é o nosso país do ano. Muitas felicidades!”

(cartoon de Lo Cole, https://www.economist.com) 

Pena, por isso, que os 74 anos que Mario Draghi já ostenta o possam conduzir, muito logicamente aliás, a um abandono de funções executivas em proveito de uma candidatura presidencial mais estável (sete anos) e menos quotidianamente exigente que ocorrerá de modo indireto (através de senadores, deputados e representantes regionais) já em janeiro. Sobre esta matéria ― e enquanto o próprio vai dizendo que “o meu destino pessoal não conta para nada”, que “não tenho qualquer aspiração particular” e que é “um homem, um avô se quiserem, ao serviço das instituições”, acrescentando ainda que o seu trabalho como primeiro-ministro de um governo de união nacional está praticamente concluído após o rigoroso cumprimento do essencial do que fora previsto ―, a sociedade italiana e os seus principais políticos (de Berlusconi a Salvini, de Renzi a Conte, de Prodi a Letta) dividem-se quanto ao que será mais desejável (patrioticamente no tocante a alguns, interesseiramente no tocante a outros).


Parece claro que Draghi vai dando sinais de pretender trocar o Palácio Chigi pelo Palácio do Quirinal. E o articulista do “Financial Times” Bill Emmott opinava há dias de modo exemplar em favor dessa opção num plano menos personalizado, sublinhando que o consenso que rodeia o seu governo deverá durar no máximo mais seis meses (e a finura de Draghi já o foi levando a afirmar que as pessoas são importantes mas tanto ou mais o é que o governo tenha o apoio da maioria parlamentar), até começar a “febre eleitoral”; e que será, por isso, pior ter Draghi apenas mais seis meses ao volante de um carro cada vez mais descontrolado do que tê-lo ao leme nos próximos sete anos, como uma espécie de “polícia sinaleiro” a partir do Quirinal ― quem sabe se não tendo até uma maior interferência política do que a que tradicionalmente vem correspondendo ao exercício do cargo? Ou tendo que vir a pivotar um processo de legislativas antecipadas decorrente de uma crise política aberta pela sua saída? Ou tendo mesmo, como auguram os mais desbragados, que voltar a contribuir para pôr os partidos na ordem chamando um “tecnocrata” de confiança para o Palácio Chigi com um mandato de continuidade em relação ao rumo que imprimiu em 2021?


Voltará a disputa política, interpartidária e pessoal ao centro das grandes decisões italianas ou irá Draghi ― e como? ― fazer com que a presente acalmia perdure e o rumo reformador possa prosseguir e consolidar-se?


(Laura Pellegrini, “Ellekappa”, https://www.repubblica.it)

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