segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

PELA ARAGEM …

 


(Embora a trégua de Natal vá interromper por uns dias as hostilidades, o congresso do PSD lançou os termos em que o confronto político de janeiro vai desenrolar-se, nada que os pronunciamentos anteriores de Rui Rio não tivessem já antecipado. O aroma da proximidade ao poder, e as tão criticadas sondagens servem sempre para isso, faz como sempre milagres para unir na ambição gente desavinda, mesmo que afastada do Parlamento. Nada que não fosse antecipável. O que me interessa sobretudo é discutir o modo como o PS irá reagir a esta possível onda de bipolarização e pela aragem destes últimos dias parece-me que este não será o caminho para a afirmação positiva de uma vitória …)

Embora tenha dificuldade em identificar-me com a personagem objeto da análise, acho que José Pacheco Pereira tem razão quando ontem no Princípio da Incerteza dizia que o principal fator diferenciador do posicionamento de Rui Rio, goste-se ou não se goste, é a sua autenticidade. A ser assim e também concordo com essa apreciação, o Congresso de ontem em Santa Maria da Feira era totalmente antecipável e os dois discursos de Rio, no início e no encerramento, embora mais elaborados do que é habitual na personagem, não trazem nada de substancialmente novo. Por isso, a reação do PS ao ambiente de bipolarização que emerge dos dados das sondagens teve tempo suficiente para ser melhor preparada. O argumento, sobretudo o que foi expresso por Ana Catarina Mendes no Princípio da Incerteza, que se refugia no facto de Rio não ter apresentado no Congresso “propostas,” é de uma pobreza confrangedora. Primeiro, porque não lembraria ao careca que o líder do PSD apresentasse um programa de governo antes do Natal, perdendo consequentemente força para o início do combate eleitoral. O que significa que Rio tem aparentemente o timing político controlado. Depois, o combate que o PS deve realizar tem de ser sempre pela positiva, porque só com essa postura será possível contrariar o desgaste natural da mais difícil governação dos últimos tempos, agravada aliás pela decisão discutível de colocar nas listas para o Parlamento os principais protagonistas dessa governação, mesmo os mais desgastados. E tal como o meu colega de blogue já pertinentemente o assinalou, falar de Edite Estrela para presidir ao Parlamento não entusiasma ninguém, a não ser provavelmente a própria Edite Estrela. Não será certamente com documentos programáticos de grande envergadura, lidos por uma ínfima parte dos eleitores potenciais, que se afirma pela positiva uma proposta de condução do País. Mas desses documentos, se existirem, e eu admito que haja alguma coisa de substancial para fundamentar estes Encontros que o PS tem promovido, é fundamental extrair as ideias fundamentais para uma governação que restabeleça a confiança do eleitorado que vai ser disputado por Rio de forma cristalina.

Existe aqui um problema que vai exigir uma cultura política de grande exigência e por isso estou curioso quanto ao grupo que António Costa reuniu para o fazer. O problema explica-se em muito poucas palavras. Nos últimos dois anos, o governo de António Costa produziu uma caterva de documentos de natureza estratégica para elaborar o PRR, o novo período de programação 2021-2027 para a programação plurianual de Fundos Estruturais, a nova política de infraestruturas ferroviárias, a transição para a neutralidade carbónica, a transformação digital e outras dimensões de política setorial. É um esforço imenso de planeamento. Mas obviamente não é com este material que vai ser ganha a mensagem eleitoral. Há por isso um trabalho de grande sensibilidade política a fazer e que consiste em destacar dessa vasta documentação um número redondo e apelativo de grandes ideias para mostrar ao eleitorado como o PS se propõe impulsionar a governação e recuperar a sua confiança. Obviamente que temas como a saúde, a educação, as condições de vida, o domínio da ameaça inflacionária, a justiça e a política económica terão de suscitar algumas ideias que façam a diferença face ao que se espera que o PSD apresente.

Uma outra questão é a resposta, ou não resposta, à pergunta mais badalada deste fim de semana: está o PS disponível para negociar, no caso do PSD ser o partido mais votado, um apoio a um possível governo de Rio, em contrapartida da disponibilidade deste último para o fazer no caso de ser o PS o partido mais votado sem maioria absoluta?

Temos de convir que António Costa, ao erradamente e sem aparentemente uma explicação plausível, ter cortado liminarmente uns tempos atrás a possibilidade de acordos com o PSD, colocou esta questão num plano de extrema dificuldade de resposta. Rio, ao tomar a dianteira desse compromisso, penso que vai ganhar pontos no eleitorado que preza a estabilidade governativa e, obviamente, vai repetir esta pergunta até à exaustão em tudo que for debate com António Costa.

Claro que o PS poderá sempre afirmar, como aliás me parece ir ser a posição dominante do partido, que só com o pronunciamento eleitoral de 30 de janeiro interpretará politicamente a decisão do povo português. A conjuntura política e o país mudaram bastante deste 2015, contexto esse que criou condições objetivas para o acordo de geringonça. Este facto tem de ser sistematicamente reafirmado. Os acordos políticos não se fazem no vácuo. Concretizam-se em contextos objetivos. Se para mim, à altura, essa foi a melhor decisão, quebrando a impossibilidade histórica de haver acordos à esquerda, não tenho dúvidas de que, hoje, o contexto de país e das mudanças que se tornam necessárias apontam mais para acordos ao centro e se Rio os oferecer melhor. Mas com a dinâmica de bipolarização criada, o cenário hoje é substancialmente distinto com uma possível vitória do PSD a ter de ser considerada. Temos de convir que depois das péssimas consequências da negociação falhada do Orçamento de Estado à esquerda, impedir que um possível governo minoritário de Rio possa governar não traria vantagens ao PS, antes pelo contrário.

Todos estes comentários são produzidos num cenário de bipolarização potencial que as três sondagens dos últimos dias parecem confirmar. Pelos valores encontrados, a Iniciativa Liberal e o Chega estão claramente abaixo do que seria esperado, mas aqui teremos de confirmar se isso se deve à força agregadora de Rio. Se o CDS está ou não a caminhar para a irrelevância política essa será outra interrogação.

À esquerda do PS parece haver algum desnorte e pesará obviamente o facto do chumbo do Orçamento ter aberto uma passadeira vermelha ao avanço de Rio. O PCP persiste naquela posição que Carlos Brito, na entrevista anteriormente aqui analisada, descrevia como a de aristocrata que se recusa a ver a sua casa e família a ruírem. O Bloco ao enveredar pelo discurso que a chegada do PSD ao poder vai significar privatizações e offshores afina pelo diapasão do mais puro radicalismo que é, face ao seu momento de maturação interna, um claro indicador de desnorte.

Grandes embates se perfilam. Mas até lá, tréguas natalícias merecidas no plano político, até porque no plano pandémico não é de tréguas que temos de falar, mas de uma vigilância cada vez mais consistente.

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