quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

MAIS ALGUNS ELEMENTOS SOBRE A CHINA

 

(Tal como tenho anotado em alguns posts anteriores, a centralidade da China nos equilíbrios e conflitos que hoje se disputam no mundo, apimentada pela origem do SARS-COV 2, coloca-nos desafios permanentemente renovados, dado o nosso desconhecimento generalizado sobre o que se passa designadamente no plano económico no interior daquele imenso País. Academias que não a nossa despertaram já algum tempo para esta insuficiência e tirando partido, entre outros recursos, da atração de investigadores de origem chinesa, em alguns países tem-se multiplicado a criação de centros e de equipas de investigação focados na China, cobrindo várias disciplinas, em que naturalmente a economia está fortemente representada.)

Vem esta conversa a propósito de uma investigação recente (publicada no passado mês de novembro) que passou pelos meus seletivos radares de anotação de investigação empírica e teórica que valha a pena aprofundar.

A investigação a que me refiro foi publicada como Working Paper do Stone Center on Socio-Economic Inequality da City University de Nova Iorque, em que pontua o trabalho de Branko Milanovic, Janet Gornick e Paul Krugman, entre outros, e tem por base trabalho desenvolvido no Banco Mundial, onde Milanovic também trabalhou.

O tema da investigação é o da evolução da pobreza rural na China, com um período de observação bastante alargado, de 1980 a 2019, que dá obviamente para compreender as dimensões estruturais da evolução registada e neste caso de uma melhoria de situação apreciável. Os números são tão esmagadores que qualquer análise da evolução da pobreza a nível mundial, para designadamente cruzar com o ritmo da globalização, tem obviamente de isolar a evolução da China.

 

Os números são de facto surpreendentes e impressivos. Em 1980, 96% da população encontrava-se em situação de pobreza e 39 anos depois essa percentagem desceu para uns surpreendentes 1% de população. O número é impactante e se tomarmos por referência a evolução dos números absolutos, passagem de 765.4 milhões de pessoas em 1980 para 6 milhões de pessoas em 2019 na situação de pobreza, então o impacto ainda é maior. O que dá algo de semelhante a 20 milhões de pessoas por ano, em média, a sair da situação de pobreza. Ou ainda que a China responde por 3/4 da redução da pobreza a nível mundial e começamos a perceber porque é que a relação entre globalização e pobreza é complexa e exige muita cautela com os números.

O paper indica o ano de 2007 (altura em que a taxa de pobreza andava pelos 10%) como o ano em que se alteram com algum significado os fatores que explicam redução tão brutal. Até a esse ano, é sobretudo a multiplicação do trabalho intensivo na agricultura que explica essa redução, seguido do crescimento dos setores não agrícolas, incrementando o nível de rendimento das famílias fazendo-as subir acima dos níveis de rendimento que identificam o limiar de pobreza. A evolução quando é medida pelos valores nacionais é mais acentuada do que quando é medida pelos parâmetros internacionais de definição de uma linha de pobreza absoluta, mas em geral a descida é acentuada e a um ritmo deveras impressionante.

Não posso deixar de me recordar de um artigo seminal que marcou bastante a minha formação na economia do (sub) desenvolvimento, de autoria de uma economista chamada Ester Boserup que demonstrava que a produtividade agrícola tendia a aumentar mais rapidamente em situações de grande densidade/hectare de trabalhadores. Não faço ideia se esta fase da redução da pobreza rural pode ser explicada por circunstâncias de pressão sobre o solo.

A partir de 2007, mudam os fatores explicativos, passando as transferências dos trabalhadores migrantes e as transferências públicas a explicar essencialmente a redução da pobreza, não esquecendo o fator demográfico (descida da taxa de dependência da população rural e diminuição da família média) como uma espécie de fator transversal que operou também como fator explicativo.

Esta redução global da pobreza evolui de certo modo em contraponto do que vai sendo observado em matéria de desigualdade, já que também na China a questão do topo da distribuição do rendimento se caracteriza pelo aumento do seu peso, dando origem à formação de uma “massa de ricos”, tal como já aqui foi referido em posts anteriores.

Mas o que me interessa essencialmente nestes números é a sua dimensão estrutural e terei de regressar ao tema por essa razão em próximos posts. O aumento de rendimento de uma massa tão grande de população terá obviamente efeitos estruturais na dimensão do mercado chinês e no seu modelo de consumo e de investimento, mas uma outra variável terá de ser acompanhada com atenção. Uma coisa será a conflitualidade da geopolítica não afastar a China da integração económica mundial e outra bem diferente será suceder o contrário ou pelo menos essa integração desacelerar pelo posicionamento defensivo das restantes economias avançadas, com relevo para o que resultar da aliança AUKUS (EUA, Reino Unido e Austrália) e da sua projeção nos destinos do Pacífico e outras terras.

(1) Maria Ana Lugo, Chiyu Niu e Ruslam Yentsof, "Rural Poverty Reduction and Economic Transformation in China: A Decomposition Approach" (link aqui)

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