quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

NA SOMBRA DE LOUÇÃ

 


(Preparando-me mentalmente para uma noite futebolística que tanto pode ser tenebrosa, cavando tendências que se formaram há muito tempo, como trazer alguma esperança que algo possa mudar lá para as bandas do Seixal e da Luz, dei comigo a pensar quem serão os economistas de estimação das forças políticas que se confrontam a 30 de janeiro. O motivo direto para essa reflexão foi uma entrevista de Ricardo Paes Mamede no Público de 26 de dezembro que ficara de comentar e que ficou à espera de melhor oportunidade. Mas rapidamente percebi que valeria a pena alargar a reflexão e tentar perceber quem são os economistas que poderão ter alguma influência nos programas eleitorais e nas perspetivas de governação que lhe estarão associadas…)

Comecemos pelo Partido Socialista. Com a saída de Mário Centeno para uma posição mais institucional, a de Governador do Banco de Portugal, não é fácil antecipar quem estará mais próximo de deixar a sua marca no programa do PS. Não podemos ignorar que Mário Centeno, pelo lugar de destaque na elaboração do plano (modelo) económico que precedeu a geringonça e sobretudo pela importância que teve a sua influência na sua adaptação (para alguns, adulteração) a um posterior plano de governo, marcou um período de grande proximidade de ideias. Desse grupo, houve gente que se afastou politicamente, como Paulo Trigo Pereira e o próprio João Leão, agora com funções exigentes de Ministro das Finanças, não se percebendo com clareza qual é a sua influência no core da decisão política que acompanha António Costa. João Nuno Mendes, com experiência de governação na área do planeamento, que presidiu durante algum tempo à empresa Águas de Portugal e que foi encarregado de dirigir o grupo de trabalho para preparar medidas de intervenção na TAP costuma ser um suspeito do costume com alguma influência na defesa de algumas propostas. Não é percetível a influência de qualquer macroeconomista de renome académico, é provável que nos quadros dos Gabinetes Técnicos dos Ministérios das Finanças e da Economia haja gente com alguma proximidade à elaboração programática, mas aparentemente, em linha com o perfil do Ministro da Economia Pedro Siza Vieira, o PS estará hoje mais próximo de figuras com formação jurídica e alguma capacidade de reflexão económica. E curiosamente não têm surgido artigos de opinião de gente a perfilar-se com influência nas questões macro da governação, o que seria normal nestes tempos de proximidade a 30 de janeiro de 2022, pelo que antecipo que essa será a tendência.

No caso do PSD, assisti com curiosidade ao posicionamento de alguns economistas no combate prévio entre Rui Rio e Paulo Rangel, sendo claro que as duas personalidades que estariam mais próximas de exercer influência relevante na esfera programática se dividiram. Joaquim Miranda Sarmento é a personagem mais prestigiada junto de Rui Rio, tem um sólido perfil e percurso académico, é bastante “low profile” em matéria de exposição pública e de publicação de opinião, o que é uma grande vantagem para a matéria que estamos a tratar. Estimo que seja ele que vá marcar mais decisivamente o programa económico de Rio, estando perante uma questão crucial, o que é que vai antecipar em matéria de impostos, se uma redução à cabeça, se uma redução faseada em função dos resultados do crescimento económico. O outro economista com larga influência potencial, Fernando Alexandre, que já revê experiência governativa nos tempos de Passos Coelho, ao apostar no apoio a Paulo Rangel, fazendo com Poiares Maduro, a dupla mais ativa nesse apoio, terá comprometido por agora a sua influência programática. Mas a verdade é que o próprio Poiares Maduro já anunciou alguma flexibilidade na sua posição e estou curioso se isso vai acontecer também com Fernando Alexandre. Veremos se Rio será sensível a essa orientação. Quanto a macroeconomistas com ligação mais forte à Universidade Católica ou à Universidade Nova, tais como João Borges Assunção, não têm estado pelo que se percebe muito ativos em matéria de proximidade a Rio.

No PCP, não é visível a influência de qualquer macroeconomista de relevo académico e se o fosse ficaria admirado. Eugénio Rosa continua a ser o economista mais representativo, com forte ligação aos domínios da segurança social e do emprego, constituindo um personagem de grande competência técnica e é sempre um prazer ouvi-lo comentar algum documento ou estudo, mas não é um macroeconomista e certamente o PCP optará por processos mais coletivos de geração da sua base programática.

No Bloco de Esquerda, existe obviamente a sombra tutelar de Francisco Louçã, não tendo eu informação suficiente que me permita antecipar qual é a sua influência real no desenho dos documentos programáticos do Bloco. O que me parece é que o conjunto de economistas que escrevia no Ladrão de Bicicletas terá perdido alguma influência a partir do momento em que Mariana Mortágua, muito próxima de Louçã, começou a assumir uma larga relevância na comunicação económica do Bloco. Sempre me pareceu que Ricardo Paes Mamede, que também escrevia no Ladrões de Bicicletas, estava fadado para algum protagonismo até porque a gestão da sua trajetória feita por ele próprio anunciava algo de próximo a essa ideia. Quando deixou as suas funções na Agência para o Desenvolvimento e Coesão e se dedicou ao ISCTE, designadamente a dirigir o Instituto de Políticas Públicas daquela Escola, imaginei que, para além da sua própria carreira académica, estivesse em causa a procura de uma maior liberdade institucional para a ação política. Essa passagem coincidiu com alguma presença mediática, em algum tempo em diálogo com Fernando Alexandre, o que também é um dado curioso.

É com esse sentimento que tendo a analisar as suas tomadas de posição pública. É o caso da sua entrevista ao Público, a qual projeta sobretudo o ano de 2022 e é nessa medida que é entrevistado pela jornalista Natália Faria. Na cabeça de Paes Mamede estão sobretudo ameaças disruptivas, a mais enfática na sua palavra é a da inflação, indo mesmo ao ponto de admitir que se o crescimento inflacionista e as disrupções da produção persistirem que as políticas de austeridade podem regressar. Percebe-se nas entrelinhas da entrevista que Paes Mamede é defensor de um recuo regulado da globalização, sobretudo a pensar em oportunidades de investimento em Portugal.

Mas a ideia central de toda a entrevista pode resumir-se no tema incerteza-instabilidade. O que sabe a pouco. Não pude deixar de recordar a decisão de um intelectual ingénuo que conheci e que apostado em denunciar os malefícios de uma inflação galopante escolhia a saída dos mercados para distribuir às pessoas informação sobre a subida dos preços. Como se elas precisassem disso depois de um período de compras nesse mesmo mercado …

Pois transmitir a todo o bicho humano pensante que o ano de 2022 nos vai trazer incerteza, incerteza, incerteza é algo de semelhante ao delírio do intelectual ingénuo …

Moral da história, permanecer na sombra de Louça não deve ser fácil.

E assim concluo que, na esfera programática dos principais partidos (não tenho conhecimento para me aventurar em juízo similar quanto à Iniciativa Liberal e ao Chega), o tempo para os macroeconomistas não está famoso. O que pode ter duas leituras. Ou o academismo formalista da grande parte dos macroeconomistas decretou a sua irrelevância política ou os partidos não estão para aí virados e buscam outras influências. Não sem surpresa da minha parte, isto acontece quando noutros países, por exemplo em França, os comités de “sábios macroeconomistas” se sucedem e com composição de fazer inveja. Pois, mas são outras paragens.

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