quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

E A LUCIDEZ DESCEU SOBRE FÁTIMA (BONIFÁCIO)!

 


(As últimas crónicas de Maria Fátima Bonifácio no Público procuravam desesperadamente encontrar um racional que justificasse o apoio ao Chega para a formação de uma maioria eleitoral de direita que derrubasse a governação à esquerda. Não é algo que fosse substancialmente diferente de alguns escritos no Observador, em que o ressabiamento por seis anos de governação socialista saltava à flor da pena. A procura de um racional para o apoio ao Chega vinda de uma intelectual e historiadora competente como Fátima Bonifácio não tem obviamente o mesmo significado se se tratasse de um troglodita desqualificado. Em flagrante contraste com essa deriva, a crónica de ontem no Público (link aqui), se bem que centrada na realidade europeia e não na nacional, brilha de lucidez e Deus meu aqui estou a identificar-me com esses argumentos…)

O mote da crónica é cristalino: É verdade que uma “federação europeia” é um sonho de lunáticos. Mas o que sobraria de uma União Europeia que desistisse de impor valores civilizacionais como são o Estado de Direito e os direitos humanos?”

Fátima Bonifácio elabora alguns argumentos preciosos em torno do conceito de “soberania partilhada” que define hoje a União Europeia. Esta questão é crucial, pois as margens de soberania de que os países abdicam (não necessariamente em termos equitativos porque a dimensão e o peso político associado ainda contam) têm contrapartidas que devem justificar o custo-benefício de tal operação. E claramente que os benefícios não devem ser circunscritos ao montante das transferências líquidas positivas. É verdade que nem sempre essas contrapartidas constituem benefícios. Lembremo-nos por exemplo da gestão macroeconómica dos tempos de austeridade, cujos efeitos se adicionaram penosamente aos custos da abdicação de margens de soberania.

A historiadora tem carradas de razão quando situa o ataque que tem vindo a prosperar à “soberania partilhada” como a grande ameaça ao projeto europeu, fruto de diferentes matizes de populismo nacionalista, uns no poder como na Polónia em que é flagrante a reconstituição do mito de uma Polónia forte, outros nas candidaturas populistas de direita que grassam pela Europa, como em França, em que a Senhora Le Pen já faz a figura de moderada quando confrontada com o inquietante Eric Zemmour.

E continua com carradas de razão quando faz referência a que a desistência dos princípios do Estado de Direito e dos direitos humanos transformaria a União num vácuo moral, reduzida na sua expressão a uma “agência de distribuição de dinheiro”.

Ninguém tem a coragem de discutir o contrafactual de uma União desprovida dos valores civilizacionais que estiveram na base da constituição da União. Evitar esse vazio moral justifica bem a “soberania partilhada”. Para evitar a descida para esse vazio, é necessário dar a mão à palmatória e rejeitar de vez os avanços por manobras políticas ocultas, afastadas da opinião pública e dos parlamentos nacionais. Reduzir a defesa da União ao universo das transferências líquidas e perder de vista a defesa dos seus valores civilizacionais equivalerá sempre a uma morte anunciada.

Não sei se é do tempo de Natal mas não me imaginaria a tecer loas a um artigo da Fátima Bonifácio.

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