segunda-feira, 14 de agosto de 2023

FRAUDES, CRIMES, CEO’S E EMPRESAS

 


(Nos últimos tempos, umas vezes com falso alarido determinado pela excitação mediática de magistrados e Ministério Público, outras com acusações consequentes, a chamada criminalidade de colarinhos brancos ou empresarial como lhe queiram chamar tem tido cobertura mediática que chegue. Fica no ar a ideia de que isto de empresas é fartar vilanagem, quando uma análise mais serena e mais fina permitiria concluir que confundir a criminalidade de alguns, designadamente de alguns gestores, com um panorama geral de imunidade e de fora da lei no contexto empresarial é um erro crasso e injusto para muita da gente que fora dos circuitos mediáticos continua a assegurar a vida das empresas dos mercados mais amplos e longínquos aos de maior proximidade. Embora não tenha por hábito utilizar o espaço deste blogue para longas citações do pensamento de outros, hoje teremos uma exceção que me agrada especialmente, pois está em causa o pensamento sempre lúcido e perspicaz de Henri Mintzberg, que considero ser um dos mais lúcidos críticos do management contemporâneo e quantas ideias relevantes sobre a matéria ele nos tem deixado.)

“Perseguir os criminosos em vez das empresas

Se está a pensar cometer um crime, permita-me que lhe sugira que se torne no CEO de uma empresa e aí cometa esse crime. Se for apanhado, as autoridades irão provavelmente perseguir a empresa, enquanto você escapa com os seus ganhos ilícitos. Neste caso, especialmente, é onde o crime compensa.

As empresas não cometem crimes. É difícil imaginar milhares de pessoas numa organização – económica ou outra qualquer -a cometer um crime, enquanto é relativamente fácil imaginar algumas dessas pessoas a fazer isso. Se assim é, porquê então culpar todos os stakeholders pelos crimes de alguns?

Os culpados que ficam livres são muitas vezes os principais beneficiários do crime, enquanto que os inocentes são deixados para trás para pagar os custos de uma condenação. Por exemplo, quando uma empresa é acusada e provavelmente condenada, alguns executivos podem ter saído com os seus bónus, ganhos a partir do crime, enquanto que os trabalhadores e outros empregados, mesmo diretores, que não tiveram nada que ver com o assunto podem sofrer as consequências – ou seja, uma organização enfraquecida que despedem os trabalhadores. Falemos sobre a perversão da justiça-

Consideremos inclusivamente os acionistas. Na altura em que o caso é identificado, alguns podem já ter vendido as suas ações, a preços inflacionados que refletem os ganhos do crime, enquanto que os novos acionistas que não têm qualquer associação com o crime são punidos por via de um preço por ação mais baixo.

Seguramente que é mais fácil perseguir uma empresa do que um conjunto de indivíduos inseridos na sua estrutura. Em vez de ter de identificar quem fez o quê, tudo o que interesse é que aconteceu nesta empresa. Isso pode ajudar o sistema judicial, a curto prazo, mas não a sociedade como um todo. Mas tornar os executivos responsáveis pelos crimes permitirá enviar uma mensagem mais forte aos seus sucessores do que tornar a empresas responsável. Os crimes empresariais e institucionais têm estado a crescer. Isso ajudaria a reverter significativamente o estado de coisas.

Além disso, quando vários indivíduos que podem ser responsáveis por um crime são acusados em conjunto, as oportunidades para acusações entre eles aumentam substancialmente e com isso também a probabilidade de se conseguirem condenações. Pelo contrário, quando a empresa é acusada, ninguém terá um incentivo a quebrar laços e a cooperar com as autoridades. Mais, um foco nos criminosos, mais do que na instituição, pode abrir a porta a ações civis a eles dirigidas – que podem reduzir a culpabilidade da empresa.

Como é óbvio, crimes que enriquecem uma sociedade empresarial têm de dar origem a multas e a compensações para as vítimas. Mas independentemente do modo como algumas recentes multas foram aplicadas – uma contra a GOOGLE excedeu 4 mil milhões de dólares – raramente representam uma percentagem significativa da riqueza da empresa. Na Finlândia, as pessoas pagam multas em função do rendimento: um homem de negócios foi recentemente multado em 121.000 euros por ter ultrapassado em 30 quilómetros o limite permitido de velocidade. Apesar disso, isso pode tê-lo penalizado menos do que se fosse um taxista finlandês que teria de pagar uma percentagem bem menor dessa importância. Imaginem aplicar este modelo aos crimes empresariais.

Seguramente que temos exemplos proeminentes de executivos a ser condenados, mas esses são as exceções que fazem a regra: o crime tem de ser usualmente terrível. De outro modo, o que é designado de “afinidade de classe” pode emergir: os procuradores e especialmente os juízes podem estar mais inclinados a simpatizar com os parceiros de golfe do que com meros criminosos.

Em resumo: não estará na hora para a punição se focar no crime e nos criminosos?”

Este testemunho de Mintzberg não suscita apenas questões do foro judicial. Suscita também matéria de cultura empresarial, sobretudo no que diz respeito ao modo como se cultiva uma atitude coletiva de comportamentos anti-ilegalidades. E creio que, nesses casos, a prática dos CEO e de como ela é entendida pela organização como um todo é algo de crucial.

 

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