sexta-feira, 4 de agosto de 2023

A REVOLUÇÃO SILENCIOSA

 

                                                            (Jornal Expresso)

(O Expresso de hoje anuncia-nos que 30.000 crianças estrangeiras estão inscritas para entrar no 1º ciclo e no pré-escolar, representando algo que pode ser estimado em 16% do total de matrículas para esse início de trajetórias de vida associadas à qualificação e com isso todos esperamos com menor probabilidade de serem apanhadas pelas diferentes armadilhas da exclusão. Os números dão conta de cerca de 140 nacionalidades diferentes, rejuvenescem uma procura da Escola que julgávamos estagnada, senão em queda, e vão na linha do que os números da Segurança Social já nos tinham sugerido. Obviamente que a nacionalidade brasileira domina este clima de rejuvenescimento da Escola pública portuguesa, mas no topo da procura e por ordem decrescente de magnitude a seguir ao Brasil vêm Angola, França, Ucrânia, Suiça, S. Tomé e Príncipe, quem diria, Índia, Reino Unido, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Paquistão, Bangladesh, Nepal, Alemanha e Espanha. Quer isto significar que o sistema público vai ter de novo que acomodar uma procura crescente, contrariando o destino que parecia anunciado e os Professores vão ter aqui um alento de esperança para lá dos números do declínio demográfico, embora com exigências diferentes de acomodar não só a magnitude da procura, mas essencialmente a sua diversidade, interculturalidade e capacidade de estimular o gosto pela língua portuguesa.)

Como é frequente na sociedade portuguesa, as revoluções entranham-se primeiro e só depois percebemos o significado da nossa capacidade de adaptação, no que eu costumo designar de ADN incremental. Provavelmente, aliás como o artigo da jornalista Isabel Leiria o documenta, vão emergir de novo dificuldades de encontrar Escola para os filhos em distâncias acomodáveis com a vida difícil no mercado de trabalho. Mas como também costumo dizer entre os que trabalham comigo mais de perto, prefiro que a Escola pública batalhe para gerir problemas de procura crescente do que seja atravessado por um longo declínio demográfico. E não devemos esquecer que entre a população imigrada estão nacionalidades em que a cultura de valoração por parte das famílias da qualificação dos filhos, procurando que eles consigam estar acima do lugar a que eles próprios chegaram, é forte e sujeita a todos os sacrifícios para conseguir esse desígnio para os filhos. Não os dececionemos com visões erradas do significado que a educação dos filhos tem para essas culturas, honremos esse valor que eles atribuem à educação, adaptando a nossa Escola pública a essa diversidade cultural e a uma natureza verdadeiramente inclusiva.

Tenho relatos de professoras que residentes no Norte e deslocadas no Algarve tiveram a oportunidade de ensinar a língua portuguesa a população imigrada que trabalhava seja no turismo, seja na agricultura ou na fruticultura intensiva. Não certamente, e com justiça, muito agradadas pelo sacrifício que o sistema lhes impôs, os seus relatos apontavam que eram impressionantes a disciplina e o entusiasmo com que essas populações encaravam a formação, mesmo que ela acontecesse horas depois de longos dias de trabalho.

A Escola Pública vai ser obviamente distinta da que tivemos até a este momento. Mas é na Escola Pública que de novo vai jogar-se o primeiro round da integração com respeito pela diversidade. Honremos com as práticas pedagógicas e de trabalho escolar adequadas para que na Escola comece a ser construída a sequência virtuosa de que gosto de falar: atrair, acolher e integrar.

 

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