(Contra a vontade dos que ditaram precocemente a morte da política industrial, os tempos após pandemia e a nova atenção que alguns países estão a dedicar à reorganização das cadeias de valor globais ditaram o ressurgimento do tema e, consequentemente, a necessidade de construir quadros téoricos e empíricos de suporte à formulação da política industrial. Como é compreensível, a economia de mainstream, que participou ativamente no enterro precoce da política industrial, tem dificuldade em participar ativamente na reconstrução do tema. Em linha com esta abertura de novas perspetivas, o artigo recente que representa, em meu entender, a tentativa mais acabada de construção de um quadro teórico suscetível de nos ajudar a compreender do ponto de vista da economia o avanço inexorável da política industrial, como parte do reordenamento da economia global, tem como coautor um economista que sempre considerei o reformista mais lúcido dos processos de globalização, Dani Rodrik.O artigo em causa é assinado, além de Rodrik, Universidade de Harvard, por Réka Juhász, Universidade de British Columbia e Nathan Lane, Universidade de Oxford. Intitula-se “The New Economics of Industrial Policy” e vem na linha do importante significado que atribuímos à sua publicação em 2023.)
O que devemos entender por nova economia da política industrial é essencialmente determinado pela necessidade de compreender no âmbito de um quadro único e coerente como é que as diferentes experiências de política industrial têm funcionado, como é que medimos e avaliamos os seus êxitos e fracassos e sobretudo como podemos colocar no terreno modelos de governação ou de governance que permitam dar resposta à multiplicidade de interesses que se movimentam e por vezes conflituam em torno das diferentes experiências de política industrial. Nesse aspeto, o artigo traz ambiente fresco e bastante consistente à investigação disponível, já que traz consigo melhorias de medida, aprofundamento de causalidades e sobretudo uma atenção bastante aprofundada à compreensão da gestão de interesses que os modelos de governação melhor sucedidos conseguiram alcançar.
Um aspeto especialmente importante a que o artigo dedica a ênfase adequada consiste no reconhecimento de que, ao contrário do que pensavam as conceções mais tradicionais da política industrial, segundo as quais a política industrial se destinava essencialmente a conceber estratégias voltadas para o mercado interno (quem não se lembra do velho conceito de industrialização por substituição de importações, que as experiências latino-americana dos anos 40 e 50 desenvolveram?). Pelo contrário, e independentemente da necessidade de estabelecimento de mecanismos seletivos de proteção para as soluções industriais em construção, o ressurgimento da política industrial concretiza-se em ambientes manifestamente abertos. A política industrial visa, precisamente, preparar estratégias proativas de participação na globalização e na divisão internacional do trabalho, por conseguinte em ambientes de mercado aberto. Esta característica tem uma importante consequência: as políticas industriais bem-sucedidas têm pouco tempo para mostrar o que valem em ambiente de mercado externo aberto, exigindo seja a sagacidade interpretativa de planeadores, mas fundamentalmente a participação ativa de empresas líderes nas temáticas industriais e tecnológicas trabalhadas pela política industrial. O que permite explicar a forte relevância dos modelos de governação adotados, nos quais a representação dos interesses industriais e dos trabalhadores deve estar necessariamente assegurada.
Do ponto de vista teórico, o artigo segue uma orientação que consagra a importância essencial de conceitos como o de (i) externalidades (que justifica a intervenção pública no processo), (ii) de falhas de coordenação ou de aglomeração e atividades que só a supervisão pública pode assegurar e a (iii) necessidade de fornecimento de inputs públicos específicos.
Embora o artigo nos forneça elementos de compreensão cruciais para entender a magnitude de políticas industriais como a que a administração Biden tem vindo a desenvolver no âmbito dos já aqui comentados Inflation Reduction Act e Chip Act, ele oferece-nos também a possibilidade de reinterpretar as bastante avançadas modalidades de política industrial que países asiáticos como a Coreia do Sul, Taiwan e a República Popular da China desenvolveram.
E, o que não é menos importante, tem também uma enorme utilidade para aplicar ao caso português, no qual têm sido os Fundos Estruturais, presentemente também o PRR, a exercer a função catalisadora que deveria pertencer a uma experiência organizada de política industrial.
A propósito, o Público de hoje referia em artigo que as exportações nacionais de alta tecnologia atingiram em 2022 o valor mais alto desde 2013, embora continue a caber-lhes uma baixa quota parte no total das exportações, cerce de 5,2%. Tem sido no âmbito da política de investigação e desenvolvimento tecnológico e de inovação que, por via dos Fundos Estruturais, programas operacionais nacionais como o COMPETE e regionais (Norte, Centro e Alentejo) têm apoiado este reordenamento do perfil de especialização produtiva nacional. Mas lendo o artigo de Rodrik e seus pares pode perguntar-se se tal apoio representa uma experiência de política industrial nos termos sugeridos pelas mais modernas experiências nele documentadas. A resposta é seguramente que não. E a razão principal é que esses apoios, relevantes em termos de incentivos e de empresas abrangidas, não são acompanhados de modelos de governação consequentes. A expressão mais sensível dessa falha são os problemas de afirmação da Agência Nacional de Inovação, cujo ambiente interno deplorável determinou a saída de quadros relevantes da organização, designadamente para o setor privado. Não vos sei dizer se a atribulada ANI cairá ou não nas malhas da burocracia do IAPMEI, como esteve prestes a acontecer no governo de Passos Coelho, mas caia ou não, esse é o melhor indicador de que os apoios europeus atrás referidos não estão organizados em modalidade de política industrial.
Outro exemplo caricato dessa inexistência de um modelo de política industrial, é o número disparatado de agendas mobilizadoras de inovação (grandes consórcios público-privados) que o PRR vai apoiar, inicialmente mais de 60, como se fosse possível alguém coordenar um esforço dessa grandeza.
Talvez se exigisse ao Ministério da Economia ler o artigo de Rodrik e seus pares e com base na sua interpretação arrepiar caminho e aproveitar a oportunidade dos Fundos Europeus para construir uma política industrial consequente em linha com os novos ventos.
Entretanto, sabe-se que pelas bandas da CCDRN, sem que haja qualquer movimento concertado com as restantes CCDR, vem sendo estudada a possibilidade de uma Agência Regional de Inovação. Espantar-me? Para quê?
Nota final
Sem querer dar-lhe a importância de um post autónomo, a conquista da supertaça pelo Glorioso SLB, para lá do regozijo de assistir às belas peças de Di María e Musa, ofereceu-me fortes motivos de reflexão sobre o nosso adversário. Nunca estranhei que nos confrontos entre o SLB e o FCP seja, regra geral, este último que entra a mandar nos jogos, como se fosse o último dia das suas vidas. A explicação é simples. A preparação da alma de cada partida é concretizada como se de uma célula islâmica se tratasse. Há um inimigo a abater e isso pressente-se no movimento de tensão permanente vivida pela equipa em terreno de jogo e pelo estilo de condução de equipa do seu treinador, em permanente e sistemática tensão contra tudo e contra todos, especialmente a arbitragem. O estilo de preparação dos jogos por parte do SLB é seguramente diferente e daí que entrem em jogo céticos e amedrontados. Ontem assim foi. 25 a 30 minutos de jogo por parte do FCP que com mais pontaria teria levado às cordas o adversário na primeira parte com consequências potencialmente irreversíveis. A pontaria não afinou, o físico foi-se, a tensão esvaziou-se e o descontrolo da abordagem de Conceição foi um desastre total (e de Pepe, também). Que melhor imagem para essa descompressão do que a vinda para o autocarro de Pinto da Costa e Sérgio, o primeiro cobrindo este último obviamente. E a questão que verdadeiramente me interessa é esta: pode uma equipa viver em tensão permanente, com o rosto do inimigo projetado nas paredes em pleno processo de preparação do embate?
Ontem, vinte e cinco minutos foram suficientes para asfixiar e tornar o SLB uma equipa vulgar. Mas vinte e cinco minutos não são 90 e certamente que não vingará a promessa de que todos terão mil virgens à sua disposição no além.
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