(No âmbito da minha assinatura digital da VOZ DE GALICIA tive acesso a uma obra coletiva coordenada pelo Professor e historiador da Universidade de Santiago de Compostela Ramón Villares que assinala os 40 anos da autonomia galega e que se designa de “Os tempos son chegados – un balance de Galícia autonómica 1981-2021. É sempre um prazer acompanhar o que a inteligência galega tem a dizer sobre a sua própria autonomia, embora desta vez só o nome de Luís Domínguez Castro, cátedra Jean Monnet da Universidade de Vigo, me seja familiar. É impossível dissociar esta edição do Parlamento Galego do momento muito particular em que a democracia espanhola se encontra na sequência dos resultados das eleições de 23 de julho. Quando fazemos esse confronto, ressalta claramente o contraste entre a instabilidade vivida a nível nacional e a grande estabilidade a que a autonomia regional tem conduzido a Galiza, embora num quadro em que a alternância democrática regional parece hoje cada vez menos provável, sobretudo pela quebra de pedalada do PSOE galego que, desde que o Professor Fernando Laxe presidiu à Xunta, nunca mais conseguiu encontrar uma personalidade e um projeto capaz de disputar a liderança ao PP.)
Sempre com a memória do ensaiado estatuto de autonomia de 1936 que a Guerra retirou qualquer veleidade de desenvolvimento, a emergência do estatuto de 1980 e eleições para o Parlamento Galego no outono de 1981 foram obviamente o resultado da muito particular transição democrática espanhola. A nova arquitetura constitucional espanhola, ao contrário da portuguesa que inscreveu as regiões nos seus princípios mas que acabou por não favorecer o desenvolvimento dessa grande aquisição, conseguiu apurar um modelo de autonomias que reconheceu na sua origem diferentes condições históricas, separando as autonomias basca, catalã e galega, consideradas autonomias históricas, da possibilidade de outras autonomias serem entretanto criadas não necessariamente com o mesmo avanço de competências.
No texto que como autor e não como coordenador da publicação Ramón Villares dedica à transição democrática galega é importante salientar a importante aliança que um representante da UCD de Adolfo Suárez, o hábil Pio Cabanillas, conseguiu com o chamado galeguismo cultural. Villares escreve assim: “Na Galiza, as eleições de 1977 mostraram que esse sentimento autonomista era mais débil nos resultados eleitorais do que na vontade popular, como ficou mostrado na manifestação de massas de 4 de dezembro de 1977, realizada em Vigo, que seria considerada nas atinadas palavras de Paz Andrade uma alvorada cívica, que lembrava os tempos republicanos. Mas o panorama político da Galiza em meados de 1977 não podia afastar-se dos resultados da eleição de junho de 1977, nas quais 24 em 27 deputados no Congresso eram de centro-direita e só três do PSOE, hegemonia conservadora que também está presente no Senado. Isto gerou novos pressupostos na organização do regime de pré-autonomia, sendo eleito como Presidente Antonio Rosón, do partido da UCD. Esta proposta é claramente o resultado depois de umas alternativas da aliança entre um setor da UCD, representado por Pio Cabanillas, e os galeguistas culturais que apoiaram esta decisão”.
Sempre em confronto direto com os estatutos de autonomia do País Basco e da Catalunha, claramente mais avançados e dispondo de outras condições políticas nos respetivos parlamentos, Villares analisa com muito rigor o longo processo de crítica política que o estatuto galego suscitou, sendo inclusivamente classificado de “projeto de segunda”. E não é sem ironia que entre as manifestações políticas mais relevantes para a sua revisão tenha sido um pronunciamento da Aliança Popular (hoje PP), cujo secretário técnico geral na Galiza era então o jovem Xosé Luís Barreiro Rivas, cronista da VOZ DE GALICIA procurava conciliar as posições originais de Fraga Iribarne claramente antiautonomistas com a afirmação do partido na região.
A autonomia galega reflete assim o longo primado da direita, bastando estar atento aos consulados políticos de Xerardo Fernández Albor (1982-1987), Manuel Fraga Iribarne (1990-2005), Alberto Núñez Feijóo (2009-2022) e de Alfonso Rueda desde maio de 2022 no poder. Os intermezzos políticos do PSOE a cargo de Fernando González Laxe (1987-1989) e de Emilio Pérez Touriño(2005-2009) só confirmam essa regra.
Não admira por isso que a instabilidade política a nível nacional seja olhada segundo as lentes galegas como algo de incompreensível. Mas confundir a estabilidade galega com a diversidade do mosaico político espanhol conduzirá obviamente a erros crassos na próxima esquina e talvez por isso o Feijoo de PP abane como juncos em toda esta conjuntura, que não conseguiu inverter nas urnas, dia 23 de julho. E, se calhar, a melhor forma de o demonstrar é reproduzir um excerto da crónica de Xosé Luís Barreiro Rivas na VOZ, escrita provavelmente num chiringuito qualquer algures na costa galega:
“Os trabalhadores do progressismo acreditam que a sua coligação de Babel pode governar – porque assim decidiu quem manda – e os retrógrados não. E os hooligans da outra banda têm a mesma ideia, mas invertida: que Feijoo pode governar, porque ganhou as eleições e Sánchez não, porque assim o decidiu quem manda. Mas a pura verdade – ou a porra da verdade, falando calão – é que as maiorias são igualmente enganosas e insuficientes, gerando ciclos de bloqueio inexorável, dependendo das pandilhas de aventureiros que se dedicam a semear o clientelismo e a dissolução entre os cidadãos que querem organizar o país e que para tomar as poucas e contraditórias decisões ao seu alcance terão de submeter-se ao preço dos seus sócios, pagar um alto preço em matéria de cobranças ao Estado – que é a dramática transformação do velho papel de pagamentos ao Estado e dedicar todo o seu esforço a praticar o populismo, a proferir memes encadeados para sair de cada apuro e explicar que a inflação baixa graças ao Governo e aumenta por culpa de Ângela Merkel que nos deixou uma herança envenenada”.
A minha tradução é pobre para reproduzir o chiste explosivo de Rivas, que numa história que é pequena desempenhou, enquanto jovem, um lugar de realce na transição galega, como secretário técnico regional da Aliança Popular de Fraga Iribarne.
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