Num interessante artigo há dias publicado no “Financial Times” (“Is Britain really as poor as Mississippi?”), John Burn-Murdoch fornece-nos boa matéria para reflexão sobre uma questão que, no meio de fartos elementos de diferenciação, também por cá releva significativamente: a da monopolaridade em sede de geografia económica.
O principal tópico a reter é o que decorre da constatação do caráter largamente London-centric da economia britânica, designadamente em comparação com a alemã e a neerlandesa, assim como com a americana. O gráfico acima é disso suficientemente esclarecedor, quer pela enorme distância do PIB per capita (à paridade de poder de compra) da região de Londres face às restantes do país (versus o que ocorre nos demais países mencionados) quer pela clara particularidade britânica em relação à manifesta presença naqueles de variados polos de dinâmica (Munique, Estugarda e Frankfurt; Amsterdão, Utreque e Eindhoven; San Francisco, Seattle, Boston e Nova Iorque).
Repetindo cálculos realizados no passado que apontavam para que o Reino Unido ficaria em 49º lugar entre os 50 estados dos EUA, o autor conclui que o PIB per capita britânico ainda consegue permanecer à frente do mais pobre Estado americano (Mississipi), e salienta até que em 2019 o Reino Unido estava melhor do que seis dos estados mais pobres e economicamente anémicos da América, mas logo acrescenta que “a remoção da produção e do número de funcionários de Londres reduziria em 14% os padrões de vida britânicos, exatamente o suficiente para ficar atrás do último dos estados americanos” ― ou seja, “a Grã-Bretanha no seu conjunto pode não ser tão pobre quanto o Mississipi, mas sem a sua atípica capital sê-lo-ia”. Em contraponto, esclarece: “amputar Amsterdão da Holanda reduziria os padrões de vida em 5% [contra os 14% britânicos perante uma amputação de Londres] e remover a cidade mais produtiva da Alemanha (Munique) reduziria apenas 1%” e que “apesar de toda a opulenta produção de São Francisco, se toda a área da baía se separasse amanhã, o PIB per capita dos Estados Unidos cairia apenas 4%”.
Em suma, o ponto de Burn-Murdoch é o de uma notável magnitude de monopolaridade económica no Reino Unido e o dos seus potenciais malefícios. Assim, e como bem sublinha, Londres é naturalmente o “lar da elite metropolitana” e a zona do país que o mantém economicamente à tona (não apenas em termos dos bens e serviços que produz, mas também pelas suas maiores receitas fiscais e transferências orçamentais para as zonas mais pobres), observando também que imprevistamente Londres contrariou a tendência nacional mais ampla de estagnação ou declínio na sequência do Brexit (sem prejuízo de estar a perder o seu status de centro financeiro global e de o crescimento da sua produtividade ter declinado nos últimos 15 anos); não obstante, Burn-Murdoch não deixa de concluir que “o centramento londrino de décadas em tudo, desde as finanças e a cultura até à política, gerou uma dificuldade em permitir que qualquer outra parte do país se torne um agente do seu próprio destino” e, portanto, que “se a Grã-Bretanha quiser um dia banir a questão do Mississipi e retornar à mobilidade ascendente, necessitará de mais do que um motor económico”.
O tema é complexo e até sensível, como aliás decorre coincidentemente da entrevista e análise de João Ferrão nas páginas do “Público” de hoje (“A dinâmica do Norte está a desaparecer”). Eis uma matéria a chamar à colação de forma séria, designadamente porque não é bom que a confusão alastre neste domínio ― a dinâmica provém da demografia ou esta constitui apenas uma componente do desejável dinamismo de uma sociedade? É que, a meu ver, a criação de riqueza ainda se destaca como critério prevalecente para o efeito e, nessa dimensão, o enviesamento geográfico é especialmente gravoso. Seja como for, a monopolaridade joga sempre contra (como aqui se adiantou a respeito do caso britânico), mesmo que a multipolaridade também careça de qualificação e da devida declinação por forma a evitar politiquices desviantes. Assuntos a revisitar.
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