quinta-feira, 17 de agosto de 2023

O PSD E A PRODUTIVIDADE

 


(Nos dois posts anteriores, centrei-me no corpo central das propostas do PSD, concebidas em torno de opções de redução de impostos que, pelo menos, contornaram a tentação de considerar a descida de impostos como geradora de efeitos de “trickle down”, com impacto positivo no crescimento económico e na redução do desemprego. É hoje altura para me concentrar na proposta que considero menos consequente e mais equívoca, a que visa pomposamente “resolver” o problema da produtividade em Portugal. Para lá da basófia, que bondosamente possa ser explicada pelo ambiente pré-eleitoral da rentrée política, o que parece estar aqui em causa é um entendimento errado das razões da baixa produtividade em Portugal. É nessa base que situo o meu comentário.)

A quinta proposta apresentada por Montenegro na rentrée política do Pontal é inequivocamente aquela que é mais difícil de compreender, sem embargo de desenvolvimentos técnicos que poderão ser posteriormente apresentados. Compreende-se a preocupação relativamente ao baixo nível da produtividade em Portugal. Já é menos compreensível, a fazer fé na formulação do Expresso on line que me serviu de guia à leitura das propostas, que a produtividade seja entendida como algo apenas de estritamente individual: “Muitas pessoas não sentem estímulo e incentivo para serem mais produtivas”, afirmou. E o PSD quer isentar de qualquer imposto, TSU incluída, os prémios que forem atribuídos no público ou no privado pela produtividade. Com um limite de 6% do vencimento base anual do respetivo funcionário”.

Ninguém contesta que o comportamento individual do quadro ou do trabalhador, por falta de estímulo, incentivo material ou simplesmente desinteresse pela função exercida sobretudo nos casos em que o posto de trabalho não corresponde nem às expectativas nem às competências de cada um, pode ser entendido como um fator indutor de baixa produtividade. A questão não é essa. A questão pertinente é a de saber se, no âmbito de uma política pública orientada para o aumento da produtividade, esse é o enfoque determinante para atingir resultados positivos nessa política. Diria, modestamente, que não, que a produtividade começa por ser, dadas as características de qualificação, formação e experiência do quadro ou trabalhador, uma questão organizacional, de empresa ou de qualquer outra entidade com produção de valor económico.

A montante, sabemos que, embora lentamente, as qualificações de trabalhadores e quadros estão em modo de melhoria, pelo menos se considerarmos a perspetiva dos novos fluxos de força de trabalho que chegam ao mercado de trabalho. Claro que na perspetiva dos stocks de qualificações, eles não melhoram ao mesmo ritmo dos fluxos, sobretudo porque a formação profissional tem perdido a corrida para a formação inicial de jovens. Existe um número considerável de adultos ativos empregados que, ora por desinteresse próprio, já que não associam às melhorias de formação qualquer efeito salarial nas suas vidas, ora por manifesta miopia das empresas empregadoras que não compreendem a vantagem de proporcionar formação contínua aos seus ativos. Já ando nestas batalhas há muitos e longos anos e estou farto de ouvir o argumento de que nas PME é impossível libertar tempos para a formação. A esses lamentos repetidos no tempo, replico apenas que esse problema é transversal a muitos países europeus, dado o peso das PME no tecido empresarial, e não me consta que o problema não tenha sido resolvido. Que raio de especificidade teremos nós para que o problema não seja por cá resolvido?

Assim sendo, embora o papel da formação contínua esteja ainda aquém do que pode ser desempenhado, do ponto de vista das qualificações individuais com que quadros e trabalhadores entram nas organizações, as condições existentes são hoje bem mais favoráveis a um aumento de produtividade. Quer isto significar que os problemas centrais estão dentro das organizações e seria nessa base que uma política consistente de aumento da produtividade deveria ser concebida. Não é por acaso que os trabalhadores portugueses quando inseridos em organizações de dimensão internacional são referentes de produtividade no âmbito dessas multinacionais, seja dentro ou fora do país. Não é ainda por acaso que, mesmo dentro de portas, a produtividade do trabalho é mais elevada em empresas com mais forte participação nos mercados externos. A razão é simples: essa maior participação nos mercados externos vem acompanhada de desempenho organizacional mais elevado e daí as diferenças de produtividade.

A proposta do PSD não evolui por esses caminhos, antes se refugia na questão dos prémios individuais (remunerações variáveis por objetivos de produtividade e não só), que na perspetiva de Montenegro não deveriam ser objeto de IRS. A bondade da proposta escamoteia o essencial (a produtividade é essencialmente uma questão organizacional) e, além disso, atingirá um número limitadíssimo de quadros e trabalhadores (embora não me pareça existir informação credível para quantificar a percentagem de emprego que beneficia de remunerações variáveis, como forma de acolher os prémios de produtividade).

Em meu entender, a questão fundamental estaria antes nos modelos de cooperação e concertação capital-trabalho no interior das empresas e esses sim seriam acordos que a política fiscal poderia estimular. Ou seja, numa orientação que economistas como John Kay desenvolveriam com agrado, é no seio da empresa ou das organizações em geral que as questões da produtividade e da remuneração dos seus aumentos deveriam ser consideradas. Esta é também uma matéria que o Partido Socialista nunca conseguiu apreender em toda a extensão da sua complexidade já que a sua perceção da empresa como célula de concertação continua a não ser brilhante. E não falta pensamento para o estimular.

 

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