(A economia chinesa não para de nos surpreender. O que não deixa de nos colocar perante um paradoxo evidente. Aparentemente, uma economia regida com mão de ferro proporcionada por um regime repressivo e autoritário deveria ser mais previsível. Mas o que temos presenciado é exatamente o oposto. É verdade que a informação económica que as autoridades chinesas publicam deixa muito a desejar em termos de clareza e rigor. Mas mesmo assim, sobretudo nos EUA, existe um universo de especialistas que está rotinado em ler e interpretar a economia chinesa para lá dos números oficiais. Apesar disso, a economia chinesa embora seja organizada em função de pressupostos e critérios que não têm réplica possível a ocidente vai evidenciando maleitas que estávamos habituados a reconhecer entre as economias avançadas de mercado livre. Uma situação de crash imobiliário e uma deflação que se dissemina progressivamente por toda a economia são de facto maleitas que associamos a outros contextos e, por isso, com alguma surpresa, vemos o capitalismo de estado chinês a tremer como se de uma simples economia de mercado se tratasse. Admirados? Cá para mim não é para menos.
Todas as evidências conhecidas nos últimos dias apontam para que o imobiliário chinês esteja prestes a dar o berro. Um dos grandes operadores imobiliários do mercado chinês, o Country Garden, estará prestes a não cumprir pagamentos (o tradicional default) e Noah Smith dá-nos conta que se o banco central chinês não intervier com firmeza (o que é ainda uma interrogação) pelo menos mais quatro grandes gigantes imobiliários (Gemdale, Seazen, Longfor e China Vanke). Em termos muito similares ao que conhecíamos dos EUA, uma diversidade de bancos sombra, ou seja de entidades financeiras que, embora exercendo funções bancárias, não estão sujeitas às mesmas condições de regulação, comercializou títulos associados aos resultados destes operadores imobiliários. A conversa é conhecida. Quando nestas condições, um crash imobiliário se regista estamos perante defaults em cadeia.
A repercussão destes rumores e evidências sobre os preços do imobiliário e da habitação em geral está confinada entre descidas registadas pela informação oficial publicada pelas autoridades, sempre conservadoras e estimadas por largo defeito, e as que vão sendo calculadas em algumas cidades concreta, bem mais generosas, e que oscilam entre descidas de 15 a 25%.
Mas o mais importante é que o cruzamento de várias fontes de informação sugere que a economia chinesa caminha para uma inevitável deflação. Entre os traços mais relevantes de uma deflação está o adiamento sistemático de despesas de consumo e de investimento, já que perante estimativas de que os preços vão descer, óbvia e racionalmente consumidores e investidores aguardam que os preços desçam ainda mais, adiando compras e investimentos.
Numa primeira análise, a combinação de um crash imobiliário com a generalização de uma deflação suscita interrogações quanto a saber se os impactos da perturbação macroeconómica ficarão limitados aos muros da República Popular da China ou se, além de uma guerra que se prolonga, as economias ocidentais vão ser contagiadas pelas maleitas do gigante chinês, agravando as coisas.
Se pressupusermos que os grupos imobiliários chineses são entidades internacionalizadas e que os títulos emitidos pela banca chinesa sombra não são comprados apenas por investidores chineses, então um default generalizado não totalmente coberto pelo Banco Central chinês tenderia a gerar um efeito de contágio nos mercados ocidentais. Tenho para mim que a retórica da administração americana não teve um equivalente rigoroso na prática dos investidores. Por isso, a ideia do decoupling das duas economias não me parece muito convincente. Noah Smith tem razão quando menciona que os efeitos de contágio do crash financeiro tenderão a ser mais gravosos do que o rebaixamento das exportações americanas que poderão ser associadas à disseminação da deflação por toda a economia chinesa. O que é curioso assinalar é que são dois bancos britânicos (HSBC e Standard Chartered) os que apresentam mais exposição ao contágio chinês.
O que esperar, então, da incidência combinada de um crash imobiliário e de uma deflação?
A ameaça do contágio financeiro merece respeito e estou em crer que a interpenetração dos mercados imobiliários entre as economias americana, europeia e chinesa ainda é largamente desconhecida. Por isso, toda a cautela será necessária.
Claro que a entrada da economia chinesa em processo deflacionário trará potenciais efeitos positivos às políticas anti-inflacionistas em curso no ocidente. Noah Smith destaca algumas razões: a procura chinesa de petróleo e de outros bens transacionáveis tenderá a reduzir-se; a desvalorização da moeda chinesa tenderá a reduzir preços de importações europeias e ocidentais; a redução das importações pela economia chinesa contribuirá para descida mundial de preços desses produtos.
Quais os efeitos que irão prevalecer?
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