quarta-feira, 16 de agosto de 2023

E O PSD PARECE DAR SINAIS DE VIDA …

 


 (Beneficiando de uma jogada de antecipação temporal, e na metáfora futebolística a antecipação faz parte do arsenal de medidas de defesa, o PSD de Montenegro e de Moedas, sim cada vez mais presente, aqueceu motores na Madeira e apareceu na rentrée política do Algarve com o esquiço do que poderá ser a bandeira para as Europeias, acenando sobretudo com o tema da descida dos impostos. O tema não é novo, não há dúvida que se presta a uma ginástica comunicacional com algum impacto e certamente, por isso, coube ao mais circunspecto, formal e menos para graças dos quadros socialistas, Porfírio Silva, reagir apressadamente ao sound bite de Montenegro, proclamando a inconstância das ideias do PSD e a pretensa falácia do excedente orçamental, em função do qual aparentemente o PSD pretende financiar a reivindicação agora apresentada. O tema da inconstância do PSD não me interessa por aí além, já que as lideranças mudam e com elas também as ideias políticas mais estruturantes. Montenegro está no seu pleno direito de convocar a bandeira fiscal e com essa opção assume a dianteira do debate político na rentrée, não estando em causa se é ou não consistente essa viragem. Ir além dessa ginástica comunicacional cabe ao blogger analisar e esse é o tema do post de hoje.)

Se quisermos contextualizar a reivindicação política do PS de Montenegro ela representa uma certa aproximação às teses da Iniciativa Liberal, que sempre vogou no tema da redução da carga fiscal. Embora só na apresentação e discussão do Orçamento para 2024 vá ser possível compreender em profundidade as propostas do PSD, o seu mero enunciado permite desde já enunciar alguns juízos críticos.

Ao contrário do que normalmente transparece das teses liberais mais agressivas, em que a descida de impostos é apresentada como panaceia de incremento dos ritmos de crescimento económico, no caso das propostas do PSD não é clara essa vinculação e isso constitui em si um fator positivo. A descida das taxas marginais de IRS (com exceção dos escalões mais elevados) não é apresentada com qualquer vínculo à promoção de crescimento económico, mas antes como condição de melhoria das condições de rendimento real dos portugueses. Essa medida combinada com o aumento dos limites dos escalões de rendimento ajustados à inflação parece assim contornar a grande acusação que é realizada à panaceia da redução de impostos como fator de crescimento. Nessa perspetiva, o facto da nova retórica política de Montenegro ter escapado à sedução dessa panaceia revela pelo menos alguma atenção crítica ao jargão liberal e isso não deixa de ser positivo.

De discussão mais difícil é avaliação da fundamentação apresentada pela PSD de que essa redução de impostos pode ter cobertura na folga orçamental que uma grande parte da opinião pública associa à situação orçamental gerida pelo Governo de António Costa e Fernando Medina.

Trata-se de matéria que vai direitinha à autonomia de gestão das contas públicas por parte do Governo depois de um determinado Orçamento de Estado ser aprovado na Assembleia da República. Mas pode dizer-se que, a bem da transparência e do escrutínio público, a Assembleia da República pode perfeitamente dotar-se das análises técnicas necessárias para evidenciar ou não a existência dos tais excedentes (ou folgas) orçamentais, independentemente do Governo ter autonomia para as gerir. Esta matéria tem duas dimensões de comunicação muito diferenciadas: a ideia de folga é apelativa e pode dizer-se que está bastante enraizada na opinião pública, largamente trabalhada pela comunicação social que não morre de amores pelo Governo; mas a sua quantificação fundamentada exige a utilização de ferramentas cuja comunicação não é propriamente espontânea. O comunicado do PS e a intervenção de Porfírio Silva compreenderam bem essas duas dimensões e no âmbito da primeira o PS apressou-se a contrapor a falácia da ideia de excedente orçamental. Nessa perspetiva, a distinção operada por Porfírio Silva (PS, mais alinhamento não seria possível) entre o IVA e o IRS é pertinente e esvazia pelo menos em parte o argumento do excedente: de facto, se a inflação se repercute imediatamente na cobrança do IVA, já no IRS uma cobrança de IRS acima do orçamentado tem pelo menos esta leitura – mais regulação e emprego podem explicar o observado ou então não colhe o argumento de que a inflação está da dar cabo do rendimento dos portugueses.

Entretanto, a proposta do PSD que justifica maior discussão é a da sua insistência na redução do IRS jovem com taxa máxima de 15% até ao escalão etário dos 35 anos. A medida tem fundamentação política e valeu mesmo a Montenegro uma intervenção vibrante e apaixonada, reivindicando a sua não desistência relativamente ao objetivo de evitar a fuga de jovens para o exterior, por questões de fiscalidade e não só. Aparentemente, a proposta do PSD não dissocia a ideia dos escalões de rendimento, mas a grande questão consiste em saber se a fuga de jovens qualificados para o exterior corresponde a um padrão explicativo que tenha a questão fiscal no centro das razões que a determinam.

Não conheço nenhum estudo que me permita responder com convicção e fundamento a esta questão. Mas tenho sérias dúvidas que o foco do problema esteja na taxa de IRS.

A questão essencial que se coloca aos jovens em princípio de vida em Portugal é baixa relação “qualificação obtida – remuneração alcançada”, à qual se junta depois a crise de habitação, tenha ela o arrendamento por saída ou a aquisição de casa própria. Há dias, vi algures que a idade de permanência dos jovens em casa dos pais teria descido para idades inferiores a 30 anos, o que é um bom indicador, mas que não chega para fazer esquecer as dificuldades notórias de implantação de uma nova vida. Parece-me, assim, que a má relação “qualificação obtida- remuneração alcançável”, combinada com a crise habitacional, pesa mais na ponderação de uma experiência profissional no estrangeiro pesa bastante mais do que propriamente a taxa de IRS. E a isto deveremos acrescentar, diria até com um coeficiente de ponderação muito elevado, os fatores dissuasores ao nível das organizações públicas e privadas. Os modelos organizacionais podem representar importantes fatores de abandono, sobretudo pela fraca probabilidade de progressão, pela rigidez de processos que inibe a participação criativa na vida das organizações com direito ao erro e à experimentação e pela conflitualidade política que se vive em alguns sistemas públicos, introduzidos por alguns recrutamentos com lastro de influência partidária. O clima que se vive em algumas unidades por exemplo do SNS é claramente desfavorável à posição construtiva de jovens qualificados, sem qualquer possibilidade de verem a sua proatividade recompensada seja por melhores condições de progressão, seja por algum complemento remuneratório.

Resumindo, os três fatores atrás enunciados parecem-me mais determinantges de uma eventual saída do que a taxa de IRS, devendo acrescentar que pelo menos a questão da remuneração salarial tem atrás de si uma dimensão de país que qualquer liberalidade na redução da taxa de IRS é insuficiente para a colmatar.

Mas o que me apraz registar é que finalmente este blogue teve matéria para comentar um conjunto de propostas do PSD. É um princípio e os termos em que a redução fiscal aparece foge pelo menos à panaceia do maná de crescimento. E diz-me a intuição política que não foi por acaso que, com gravitas, o PS se apressou a contrapor politicamente a intervenção de Montenegro.

Uma simples normalidade política e democrática que se saúda efusivamente, tão rara ela se tem apresentado nos últimos tempos.

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