sábado, 5 de agosto de 2023

CAFÉ CENTRAL

 


(Devo confessar que não sou propriamente um entusiasta acrítico da defesa da imutabilidade das Cidades ou dos espaços urbanos, vício que conduz muita gente a uma perspetiva nostálgica e muitas vezes parada no tempo, ignorando que as Cidades e os espaços urbanos têm vida e que os fatores dessa vida podem desaparecer, designadamente pela questão demográfica. Muito boa gente pensa que o declínio demográfico se fica pela questão do envelhecimento. Sempre defendi que o declínio demográfico afeta inevitavelmente muitos negócios, negando a sua reprodução e continuidade, pelo que por esse motivo há partes da Cidade que morrem também com os seus donos e empresários, não sendo muitas vezes possível assegurar em vida e em tempo útil a sua substituição de maneira a manter a atmosfera urbana que ajudaram a construir. Estou aqui eu a dissertar sobre atmosferas urbanas e sobre a sua finitude num início de tarde de canícula prometida, já para lá do que é habitual por estas terras de Caminha, venho da Praça, e veio à baila a mais que provável interrupção da vida do Café Central, estabelecimento icónico da Praça (central como é óbvio). Ainda não entendi bem a raiz do problema, mas pelo que pude apurar, o proprietário do edifício tem obras autorizadas não sei exatamente para que nova função, os personagens que dão vida ao Café, os senhores Tomás e Manuel, já não vão para novos e não se vislumbra qualquer solução à vista para encontrar um espaço alternativo na Praça para que o Central continue no ativo das nossas rotinas de utentes daquele espaço.)

Tenho para mim que a atratividade de Caminha (em queda, a meu ver, e também por questões demográficas, a substituição etária no gosto pela vila ainda não se concretizou plenamente) está muito associada às suas atmosferas urbanas, que vão resistindo à implacável sazonalidade, com algum toque patrimonial a ajudar. Mas sempre achei que a variante patrimonial não chega para justificar as atmosferas inimitáveis. Em meu entender, espaços comerciais como o Café Central, a pastelaria-esplanada Riviera, a insubstituível e o irrepreensível bom gosto da tabacaria Gomes e de quem a gere, o retalho das coisas de casa do Senhor Dino e Mulher fazem parte da nossa ligação aquele espaço urbano, tornando-se indissociáveis da nossa perceção de o viver e sentir.

Por isso, sem quaisquer resquícios de passadismo ou de perceção nostálgica de que os espaços urbanos não mudam, sempre entendi que os pontos nevrálgicos das atmosferas urbanas devem ser geridos com pinças, sobretudo do ponto de vista da sua reprodução quando, por qualquer motivo perfeitamente justificado, ela fica ameaçada e com essa possibilidade possa emergir uma qualquer mudança de função que altere significativamente a atmosfera urbana.

Bem sei que uma atuação diligente do Município nos bastidores não será nunca motivo de notoriedade comunicacional nos jornais locais, mas em meu entender é nestes casos que se percebe se o Executivo Municipal, designadamente o seu Presidente, tem talento para atrás da boca de cena concertar interesses e procurar defender a inimitabilidade de um espaço. Depois da trapalhada da questão do Parque Tecnológico, fruto da ambição de alguns e da não seriedade de promotores e de empresários/investidores de meia tigela, a Câmara de Caminha está obviamente sob pressão e muito provavelmente não está na melhor das situações para coordenar essa concertação de interesses em favor da defesa da atmosfera da Praça Central.

Apercebi-me da importância do Café Central através de uma pequena história em que também fui protagonista. Nos tempos em que trabalhava ativamente nas questões da cooperação Galiza-Norte de Portugal, era frequentemente solicitado seja pelo Faro de Vigo, seja pela VOZ DE GALICIA sobre a evolução socioeconómica da região transfronteiriça, de que o ponto mais visível é o monte de Santa Tecla fronteiro à minha varanda, onde muitas vezes trabalho. No âmbito de um suplemento organizado pelo Faro de Vigo, viviam-se então os tempos tenebrosos da Troika, fui entrevistado sobre o tema. Obviamente que uns dias depois procurei ativamente o Faro de Vigo e o seu suplemento para perceber quem tinha sido ouvido e os critérios utilizados pelo jornalista responsável pelo organizador do suplemento.

Quando folheava o suplemento e verificava se o meu testemunho fora bem recolhido e sistematizado, o que foi o caso, rapidamente deparei com um dos entrevistados em Caminha – o Senhor Manuel do Café Central e aí percebi a centralidade do dito, em termos de observação do que vivia então a Praça, também ela em muitos dias transfronteiriça.

Central não era uma palavra vã e o jornalista do Faro de Vigo percebeu-o melhor do que ninguém.

 

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