domingo, 13 de agosto de 2023

UM ARQUIPÉLAGO COM MENOS ILHAS?

 



(O suplemento P2 do Público de hoje dedica uma vasta atenção ao olhar lúcido de João Ferrão sobre as dinâmicas territoriais de Portugal continental, confrontando o período de 2011-2021 com o de 1991-2001, referência temporal que serviu de base ao investigador para enunciar a sua tese do território de Portugal continental como um arquipélago e contribuindo pra esbater o estafado paradigma litoral-interior. A análise de João Ferrão continua a privilegiar o estudo de fluxos e não de stocks e as freguesias como a principal unidade territorial de análise e a leitura comparada dos mapas correspondentes oferece-nos, por si só, matéria relevante e justificativa do foco atribuído pelo P2 ao olhar do nosso mais importante investigador territorial. A dependência que o estudo continua a apresentar dos dados censitários não deixa de constituir uma forte limitação, por exemplo gostaria que contivesse mais informação económica não apenas limitada à empregabilidade, mas o confronto com os dados similares da década de 1991-2001 é, por si só, muito sugestivo e merecedor do destaque que o P2 lhe atribui.)

A metáfora do arquipélago continua a funcionar, mas agora segundo o investigador com menos ilhas de dinamismo nos territórios mais interiores, onde o tempo passado foi suficiente para algumas confirmações.

Tal como Ferrão devidamente o assinala, o confronto das dinâmicas dos dois períodos confirma a grande transformação a Norte, com o grande esbatimento da dinâmica do Noroeste e a emergência de um território de contiguidade, o Tâmega e Sousa, que é ainda uma zona de fortíssima emigração, logo uma dinâmica que sem uma política pública de consolidação corre o risco de uma acentuada efemeridade.

Tal como tenho vindo a apreender em vários trabalhos sobre este território, o Tâmega e Sousa está neste momento mais recente a capitalizar as suas relações de proximidade e contiguidade com os territórios mais dinâmicos do Noroeste, a Área Metropolitana do Porto, o Ave e o Cávado, beneficiando de dinâmicas de investimento por continuidade espacial e tirando partido de, em ambiente geral de declínio demográfico, se tratar de um território ainda com uma massa apreciável de população jovem e crescentemente qualificada.

O desaparecimento do Noroeste do mapa dos dinamismos tem de ser convenientemente interpretado e, em meu entender, deve-se ao facto das principais concentrações industriais e urbanas desse território estarem hoje a atravessar um modelo de crescimento intensivo e não extensivo. Particularmente o Ave o Cávado, mais do que a própria AMP, estão mergulhados em processos de investigação, desenvolvimento e inovação (I+D+I) que correspondem à passagem de um modelo essencialmente extensivo a um outro de modelo de crescimento intensivo, tendo por enquadramento a economia aberta e um ecossistema de inovação também profundamente aberto ao relacionamento com o exterior. Por isso, o desaparecimento observado do mapa de João Ferrão não é uma tragédia, antes uma mudança virtuosa não apreensível em meu entender no naipe de variáveis que o investigador utuiliza para a sua análise de fluxos.

Quanto às restantes dimensões da entrevista e da investigação que a suporta estamos de acordo como aliás praticamente sempre estivemos, com oportunidade de em diferentes trabalhos o demonstrar.

A necessidade urgente de uma política nacional de Cidades que a programação de 2021-2027 continua a não oferecer, nem com a ajuda do complemento do PRR, continua, pelo facto de não ser colmatada, um mistério incompreensível, que nem o próprio João Ferrão conseguiu impor quando passou pela Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades. A referência de João Ferrão à densidade relacional dos territórios e a explicação que ele fornece para a ausência de dinamismo de algumas Cidades precisamente pela debilidade dessa densidade relacional vale todo o suplemento.

 

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