(O suplemento P2 do Público de hoje dedica uma vasta atenção ao olhar lúcido de João Ferrão sobre as dinâmicas territoriais de Portugal continental, confrontando o período de 2011-2021 com o de 1991-2001, referência temporal que serviu de base ao investigador para enunciar a sua tese do território de Portugal continental como um arquipélago e contribuindo pra esbater o estafado paradigma litoral-interior. A análise de João Ferrão continua a privilegiar o estudo de fluxos e não de stocks e as freguesias como a principal unidade territorial de análise e a leitura comparada dos mapas correspondentes oferece-nos, por si só, matéria relevante e justificativa do foco atribuído pelo P2 ao olhar do nosso mais importante investigador territorial. A dependência que o estudo continua a apresentar dos dados censitários não deixa de constituir uma forte limitação, por exemplo gostaria que contivesse mais informação económica não apenas limitada à empregabilidade, mas o confronto com os dados similares da década de 1991-2001 é, por si só, muito sugestivo e merecedor do destaque que o P2 lhe atribui.)
A metáfora do arquipélago continua a funcionar, mas agora segundo o investigador com menos ilhas de dinamismo nos territórios mais interiores, onde o tempo passado foi suficiente para algumas confirmações.
Tal como Ferrão devidamente o assinala, o confronto das dinâmicas dos dois períodos confirma a grande transformação a Norte, com o grande esbatimento da dinâmica do Noroeste e a emergência de um território de contiguidade, o Tâmega e Sousa, que é ainda uma zona de fortíssima emigração, logo uma dinâmica que sem uma política pública de consolidação corre o risco de uma acentuada efemeridade.
Tal como tenho vindo a apreender em vários trabalhos sobre este território, o Tâmega e Sousa está neste momento mais recente a capitalizar as suas relações de proximidade e contiguidade com os territórios mais dinâmicos do Noroeste, a Área Metropolitana do Porto, o Ave e o Cávado, beneficiando de dinâmicas de investimento por continuidade espacial e tirando partido de, em ambiente geral de declínio demográfico, se tratar de um território ainda com uma massa apreciável de população jovem e crescentemente qualificada.
O desaparecimento do Noroeste do mapa dos dinamismos tem de ser convenientemente interpretado e, em meu entender, deve-se ao facto das principais concentrações industriais e urbanas desse território estarem hoje a atravessar um modelo de crescimento intensivo e não extensivo. Particularmente o Ave o Cávado, mais do que a própria AMP, estão mergulhados em processos de investigação, desenvolvimento e inovação (I+D+I) que correspondem à passagem de um modelo essencialmente extensivo a um outro de modelo de crescimento intensivo, tendo por enquadramento a economia aberta e um ecossistema de inovação também profundamente aberto ao relacionamento com o exterior. Por isso, o desaparecimento observado do mapa de João Ferrão não é uma tragédia, antes uma mudança virtuosa não apreensível em meu entender no naipe de variáveis que o investigador utuiliza para a sua análise de fluxos.
Quanto às restantes dimensões da entrevista e da investigação que a suporta estamos de acordo como aliás praticamente sempre estivemos, com oportunidade de em diferentes trabalhos o demonstrar.
A necessidade urgente de uma política nacional de Cidades que a programação de 2021-2027 continua a não oferecer, nem com a ajuda do complemento do PRR, continua, pelo facto de não ser colmatada, um mistério incompreensível, que nem o próprio João Ferrão conseguiu impor quando passou pela Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades. A referência de João Ferrão à densidade relacional dos territórios e a explicação que ele fornece para a ausência de dinamismo de algumas Cidades precisamente pela debilidade dessa densidade relacional vale todo o suplemento.
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