quarta-feira, 23 de agosto de 2023

A ÍNDIA ESTÁ NA LUA E NÃO SÓ …

 


(Uma grande parte do mundo interroga-se quem poderá substituir a China como o motor mais importante da economia mundial. A questão é relevante pois não se trata apenas de encontrar uma economia que possa crescer ao ritmo a que a China cresceu nos últimos 20 anos. O problema é que se torna necessário que esse ritmo de crescimento possa liderar a revolução tecnológica orientada para a descarbonização das economias, no que poderíamos designar de “crescimento rápido mas verde”. Por mais importante que a questão tecnológica na descoberta desse novo motor possa ser, a velha questão demográfica não pode ser esquecida. E nessa base a economia chinesa enfrenta um problema demográfico de grandes proporções o que parece uma invenção, mas corresponde a uma transição demográfica de grande rapidez. Por isso, é mais pela invocação dessa questão demográfica que a Índia tem surgido como um candidato possível à ideia de motor da economia mundial do que propriamente pelo seu potencial industrial. Nesse contexto, em tempos de reunião dos BRIC, a proeza indiana de ter uma nave espacial a aterrar suavemente no hemisfério menos conhecido da Lua, sobretudo depois de simbolicamente uma nave russa similar se ter despenhado e destruído, teve do líder político indiano o aproveitamento simbólico que se esperaria. Mas daí à possibilidade da economia indiana se transformar quase por magia na nova alavanca do crescimento mundial vai uma distância enorme.

Recordo-me que há longo tempo atrás quando preparava um ciclo de aulas sobre Globalização e Desenvolvimento Económico dei com uma entrevista de um arquiteto indiano, Charles Correa, com alguma ascendência portuguesa, equiparava a sociedade indiana a um grande navio que resistia bem a crises e vendavais mas apresentava uma baixa flexibilidade de navegação. Esta metáfora nunca deixou de me acompanhar para ir compreendendo o modelo de desenvolvimento económico indiano, à medida que o seu papel no grupo dos BRIC ia evoluindo.

O êxito do projeto espacial indiano vem na linha de uma das ilhas de desenvolvimento que se têm destacado no país, com relevância para o território litoral mais a ocidente, e que se transformaram rapidamente em zona de atração de investimento direto estrangeiro na área das tecnologias de informação e comunicação. Mas a economia indiana está longe de se limitar a estas ilhas mais florescentes e apresenta sinais de heterogeneidade estrutural e de focos de pobreza absoluta que tornam difícil atingir valores de contributo para o crescimento como os associados ao contributo chinês. Estima-se que entre 2008 e 2021, a China terá sido responsável por 40% do crescimento mundial, valores que muito dificilmente poderão ser considerados realistas para um possível contributo indiano. E não se trata apenas de achar realista ou não um contributo para o crescimento dessa magnitude: tratar-se-ia também de esperar que a Índia se transformasse num hub comercial e financeiro, alterasse estruturalmente os mercados mundiais, liderasse o investimento em infraestruturas e puxasse a procura mundial.

É assim inevitável que se coloque a questão: será que o crescimento verde será compatível com a ideia de um motor do crescimento mundial? Ou será que regressaremos a um modelo de médios e pequenos campeões, nos quais gostaríamos de ver a União Europeia melhor representada? Ou, pelo contrário, será de uma Altásia que deveremos falar, bloco no qual o contributo da Índia será relevante mas não ao ponto de se declarar um sucedâneo da China?

 

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