(Astra Taylor era um nome que me era completamente desconhecido. Através do New York Times tomei conhecimento que seria a protagonista da CBC Massey Lecture de 2023 e que estará prestes a publicar um livro designado de “The Age of Insecurity: Coming Together as Things Fall Apart”. O tema da insegurança interessa-me como principal traço das sociedades contemporâneas, sobretudo pelo impacto que ele provoca nos projetos políticos do ponto de vista do frágil equilíbrio que a insegurança representa para as sociedades democráticas – pode ser fator de confiança política ou de exploração ignóbil. O artigo publicado no New York Times, que sintetiza a referida obra em vias de ser publicada, encheu-me as medidas e aqui estou a chamar a atenção para a importância do argumento. Até porque a realizadora e escritora o faz em confronto com o conceito de desigualdade, matéria a que este blogue tem dedicado uma vasta atenção.
A abordagem comparativa que Taylor realiza entre as duas manifestações mais relevantes das sociedades contemporâneas mais avançadas, a desigualdade que não para de aumentar e a insegurança cujas raízes e dimensões são ainda largamente desconhecidas porque sujeitas a investigação menos intensa e diversificada, é curiosa porque aponta para uma espécie de topologia dos nossos posicionamentos.
Além de ser cada vez melhor medida, a desigualdade transporta-nos para um posicionamento vertical, olhamos para cima e para baixo, confundidos com a esmagadora dimensão dos números disponíveis: dez “mil milionários” absorviam uma riqueza equivalente a seis vezes a de três milhares de milhões de pobres no mundo. As repercussões destes números nos posicionamentos políticos são óbvias e impactantes e continuarão a fazer sentir a sua influência.
Taylor propõe-nos um novo olhar sobre o nosso posicionamento, o da insegurança. “ela (a insegurança) estimula-nos a olhar para os lados e a reconhecer poderosas áreas comuns” – “ao contrário da desigualdade, a insegurança é algo mais do que um binário de ter ou não ter. A sua universalidade revela o grau em que o desnecessário sofrimento está generalizado – mesmo entre aqueles que aparentam estar bem. Todos estamos, em graus diversos, sobrecarregados e apreensivos, com medo do que o futuro nos reserva. Estamos em guarda, ansiosos, incompletos e expostos ao risco. Para lidar com isso, mexemo-nos e esforçamo-nos, protegendo-nos contra possíveis ameaças. Trabalhamos no duro, compramos que baste, labutamos, somos credenciados, economizamos e poupamos, investimentos, fazemos dieta, automedicamo-nos, meditamos, fazemos exercício, esfoliámo-nos”.
Taylor propõe-nos ainda uma distinção essencial – por um lado, a insegurança existencial faz parte da nossa natureza, mas, por outro, a insegurança construída é-nos imposta e está longe de ser inevitável como a existencial.
Resta saber através de que mecanismos essa insegurança nos é imposta. Em primeiro ligar, porque uma regra fundamental do marketing abre pistas para compreender essa imposição: os consumidores satisfeitos não compram tanto como os insatisfeitos e descontentes. Em segundo lugar, porque o medo de perder o que já se alcançou é um mecanismo essencial dos estímulos que a economia de mercado nos traz, que se mistura rapidamente com a sensação de que ainda não temos o suficiente. Em terceiro lugar, toda a dinâmica de controlo dos processos de trabalho, cada vez mais organizados sob a forma de monitorização digital dos mesmos, pode ser interpretada como uma máquina de produção de insegurança para que o posto de trabalho não seja dado como definitivamente adquirido.
Todo o aparato da insegurança construída parece gerar um panorama de pessimismo. Mas, surpreendentemente, Astra Taylor encontra nessa realidade uma fonte de esperança: “A insegurança, apesar de tudo, é o que nos torna humanos e é também o que nos permite conectarmo-nos aos outros e mudar. “Nada na natureza se torna relevante sem ser vulnerável” escreve o físico Gabor Mate no “Mito do Normal”. O crescimento da árvore mais poderosa requer brotos macios e flexíveis, assim como o crustáceo de casca mais dura precisa primeiro de mudar e tornar-se macio. Não há crescimento, observa ele, sem vulnerabilidade emocional. O mesmo se aplica às sociedades. Reconhecer a nossa insegurança existencial partilhada e compreender como é utilizada contra nós, pode ser entendido como um primeiro passo para criar solidariedade entre nós. A solidariedade, em última instância, é uma das mais importantes formas de segurança que temos à nossa disposição – a segurança de confrontar o nosso partilhado dilema como humanos neste planeta em crise, em conjunto”.
E daqui retiro eu a minha moral da história. Viver a insegurança isoladamente sem a partilhar com os mais próximos, na cidade, no bairro, na família, em casa representa o primeiro passo para que a nossa vulnerabilidade seja explorada por projetos políticos e pessoais que dela se alimentam como sanguessugas à procura de sangue vivo. Vivê-la em contextos de solidariedade equivalerá a barrar o caminho a essa exploração ignóbil.
Concluindo, combater coletivamente a desigualdade e a insegurança abre em meu entender caminho a um frutuoso desenvolvimento de uma nova esperança para a esquerda democrática. Tema para futuros posts, sobretudo quando a modorra estival se for. Até lá, o tema fica sinalizado.
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