(Sim, hoje poderia construir uma crónica com um grande Chapeau aos organizadores e a todos que tornaram possível a vinda das Jornadas Mundiais da Juventude a Lisboa, sobre as quais já escrevi em post anterior. A tolerância é um princípio básico de convivência democrática no qual me revejo fortemente e as questões da fé são, não tenho dúvidas disso, uma das matérias cruciais em que a tolerância se deve afirmar contra tudo e contra todos. Por isso, homem sem fé, sou dos primeiros a saudar a adesão juvenil espantosa que o evento trouxe a Portugal, revelando uma comunidade juvenil que não pode apagar-se e que tem todo o direito de afirmar a sua presença nas diferentes questões que vale a pena discutir na sociedade portuguesa. Alguém disse que a força desta presença e desta afirmação juvenil nos faz pensar que as suas VOZES têm estado sub-representadas no espaço mediático nacional, talvez envergonhadas e desgostosas com a Igreja, instituição tal qual ela se tem arrastado nos últimos tempos. Como democrata, tolerante embora sem fé, devo reconhecer a importância do que pude ver nos últimos dias, superando todas as controvérsias de palcos, custos-benefícios e outras dimensões. A personagem do Papa claro que ajudou mas a força daquele mole humana não pode ser ignorada. Por mim fico por este registo, fiel aos meus princípios e vou antes referir-me a um texto, um grande texto, que mão amiga me fez chegar sobre o tema das relações de hoje entre a agronomia e a agricultura, inspiradas pelo novo olhar como natureza e agricultura devem conviver..)
O Amigo Leonardo Costa fez-me chegar um texto redigido pelo meu guru para as questões agrícolas e do desenvolvimento rural, o Professor Fernando Oliveira Batista, com o qual tive uma experiência profissional inolvidável, quando coordenei os trabalhos de elaboração do Plano Regional de Ordenamento do Território da região Centro, que não chegou a Conselho de Ministros, e na qiual participava uma equipa do Instituto Superior de Agronomia por ele liderada.
O texto foi publicado na revista da Ordem dos Engenheiros, INGENIUM, na edição de julho-agosto-setembro de 2023 e por isso está acessível a todos neste link.
Os textos de Oliveira Batista são sempre de uma clareza e rigor conceptual imbatíveis e a eles recorro frequentemente para colocar as ideias no rumo certo e abordar qualquer questão territorial que exija uma maior densidade temática agrícola e rural. Neste caso, o Professor do ISA desenvolve as alterações que as relações entre a agronomia e a agricultura devem acomodar a partir do momento em que a ciência de hoje nos diz que a natureza não é indestrutível como o pensava o paradigma agronómico que dominou o século XIX e parte do XX e que, além disso, revela uma fragilidade estrutural que a tem vindo a transformar numa das grandes preocupações contemporâneas.
Para Oliveira Batista, o grande desafio que se coloca à agronomia moderna é a necessidade de responder à necessidade de alimentar uma população mundial estimada em 9,7 mil milhões de almas em 2050 defendendo a natureza dos riscos que a podem destruir e aprofundar a sua já saliente fragilidade estrutural. E simultaneamente não ignorar que a agricultura faz parte do problema das emissões de gases com efeitos de estufa. O aumento da produção por hectare não pode deixar de estar na agenda, mas num contexto em que a interação com os ecossistemas deve estar no centro das escolhas das escolhas tecnológicas e organizativas. Isso não significa que os ecossistemas sejam imutáveis, mas antes que a produção agrícola deve ser entendida como uma componente de ecossistemas mais amplos.
A evolução da ciência e da sua posterior translação em tecnologia tem de adaptar-se a esta nova perspetiva, explorando dimensões até agora ignoradas porque em contradição com o paradigma agronómico então ainda dominante, como a capacidade de produzir em solos pobres no recurso água ou o melhoramento de espécies animais para valorizarem recursos forrageiros de qualidade mais baixa. Oliveira Batista fala de temas importantes como a da produção em conivência com os ecossistemas, com foco nas características locais (place-based) e não num receituário de prescrição universal.
E para terminar uma citação daquelas que devemos convocar regularmente:
“Ou seja, arredada a aplicação das receitas fator-produto, torna-se incontornável conciliar a produção com a natureza. Torna-se, assim, necessário um enquadramento técnico-institucional da agricultura, que noutra fase se designou de extensão agrária, mas que depois se tornou desnecessário porque a natureza era considerada um mero suporte de uma técnica geral e manuseável de modo idêntico, em toda a parte. Agora com o regresso da natureza – que antes tinha de ser “aguilhoar”, depois passou a ser ignorada e atualmente tem de se aprender a “cuidar” – impõe-se uma nova agronomia”.
Perante este belo texto, apetece-me perguntar se o ensino da agronomia está cinete deste novo desafio e quando é que o Ministério da Agricultura revê o seu próprio paradigma.
E perguntar …
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