sexta-feira, 30 de julho de 2021

A POLÍTICA VAI PARA FÉRIAS?

 

(Com as eleições autárquicas no horizonte próximo, poderia dizer-se que as férias políticas estariam este ano mais ou menos comprometidas. Mas embora alguns autarcas (mas também as políticas públicas em geral) tenham levado alguns murros no estômago com a publicação dos resultados preliminares dos Censos 2021, tudo parece estranhamente calmo. A grande generalidade dos nossos comentadores políticos, particularmente os mais assanhados com o primeiro-Ministro, parecem rendidos à perceção de que afinal a gestão da pandemia não atirou ao tapete o governo socialista e António Costa. E o simples facto de que a controvérsia em torno da morte de Otelo dominou esmagadoramente a cena política dos últimos dias mostra que, apesar da sua legitimidade e envolvência democráticas, as autárquicas permanecem algo estranhamente na sombra, expectantes.)

Agosto está aí no horizonte próximo e, embora para alguns corresponda ao incómodo de pagar os adicionais de IRS não cobrados ao longo do ano, cheira a férias, mesmo que gozadas jogando ao gato e ao rato com a pandemia. Mas esta parece amainar cá pelo burgo, com o famigerado R(t) de novo abaixo de 1 e a incidência a dar mostras de finalmente começar a ceder. A taxa de vacinação total da população portuguesa já atingida coloca-nos numa situação a que não estamos habituados no plano comparativo europeu e mundial, a população jovem parece também disposta a colaborar e, quando nos recordamos de que nos EUA se oferecem 100 dólares aos renitentes em serem vacinados, isso dá-nos alguma esperança. Entretanto, nos EUA é cada vez mais evidente a correlação existente entre a distribuição territorial da taxa de vacinação com a distribuição dos eleitores que apoiaram Trump, claramente menor nestes últimos. Os RED STATES são a maior ameaça à estabilização pandémica nos EUA e isso tem uma explicação, a estupidez republicana, apostada em seguir o seu Amo e Senhor. Biden não esperaria por este motivo confrontar-se com a estupidez republicana, mas a verdade é que o terreno da pandemia é aquele em que ela melhor se tem manifestado.

Por cá, o nosso Vice-Almirante prossegue a sua saga (quem está meses num submarino tem esta espantosa capacidade de resistência às contingências do planeamento). Por sua vez, Costa encontrou o seu timing para preparar o horizonte do chamado regresso à normalidade na anormalidade, ganhando balanço seja com a impaciência de Marcelo, seja com a abertura dos especialistas que vão por aí manifestando a sua avaliação e não apenas nas sessões do INFARMED. Podemos reconhecer que Costa se deixou entusiasmar com o brilho do dinheiro europeu (a deixa para a ida ao banco é lamentável). Podemos ainda torcer o nariz ao facto de ter entregue a chave do PRR a alguém como Nelson de Souza, que controla e desconfia da própria sombra, que navega no centralismo com grande à vontade e que a territorialização da sua aplicação é pouco transparente. Mas, sopesados todas essas fragilidades e desvios desnecessários e apesar das insistências de remodelação e de Cabrita, a verdade é que Costa entra no estio de agosto com margem de manobra para uma rentrée bem-sucedida. Muita gente terá de meter a viola no saco e adiar uns acordes pela exaustão do primeiro-Ministro com a gestão da pandemia. Acho que Costa terá de agradecer, entre outros, à tenacidade e resistência de Marta Temido e da sua equipa e também à circunstância do líder inicial da Task Force da vacinação se ter passado dos carretos e ter dado o lugar ao Vice-Almirante.

É também verdade que, para cómoda entrada em Agosto, também contribui e de que maneira a desorientação da direita, de todos os quadrantes. O CDS parece apostado em secar os seus recursos mais valiosos e imagina-se a elevação que constituirá a disputa de liderança entre Rodrigues dos Santos e Nuno Melo. O próprio Chega parece ter-se eclipsado, talvez assoberbado com as autárquicas, dando alpista aos trânsfugas locais, a espécie mais odiosa do mundo local. A Iniciativa Liberal parece destinada a esgotar-se na criatividade dos cartazes. O PSD pena a bom penar, restando a dúvida se Rui Rio ainda acredita em alguma coisa ou se desabafa com os seus botões, “vou ver-me livre disto”. E aquilo a que chamo a direita Observador parece também condenada a uma espécie de Carochinha que clama permanentemente “quem quer casar com os nossos princípios e valores”, com que raio de partido poderemos trabalhar. Neste campo da direita, a única novidade e essa perigosa que baste é a manifesta tentativa de encontrar uma outra narrativa explicativa para o 25 de abril, para nela finalmente poder integrar algumas personagens que carecem desse lastro.

Dir-me-ão que os problemas estruturais do País estão aí para nos atormentar a acalmia retemperadora de agosto. Mas uma coisa pode o governo de Costa reivindicar, curiosamente através do ministro que mais impaciência gerará no primeiro-Ministro. O Plano Ferroviário Nacional poderá marcar uma nova imagem de País, isto a partir de dentro e a partir de fora. E se na região Norte houver arte e engenho para colocar Vila Real e Bragança no mapa ferroviário, então teríamos um outro Norte.

Como diria o outro, uma coisa de cada vez. E agosto começará ainda com todos mergulhados na indeterminação do que se passa no Reino Unido: por que motivos desceu a incidência pandémica com o desconfinamento total, mesmo que mitigado com os avisos à prudência por parte das autoridades? Embora o Reino Unido seja um dos países com uma taxa de vacinação total das mais elevadas no mundo (56% pouco acima da nossa própria taxa) o corpo científico britânico não tem ainda uma explicação cabal para a descida da incidência após a “libertação” do 19 de julho. Ou será que o vírus se encontra ele própria em fase expectante ou talvez com novas mutações?

Cá por mim continuo prudente.

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