domingo, 4 de julho de 2021

O TÚNEL

 

                                           (o túnel que há de existir na saída sul de Vigo)

(O início de férias promete com uma daquelas morrinhas tradicionais do litoral Norte, envolvendo Santa Tecla numa manta espessa de nevoeiro, convidando à contemplação resignada. É por isso natural que desloque a atenção para as notícias que vinculam o nosso refúgio à sua interação natural com a Galiza.)

A ligação ferroviária entre o Porto e a Galiza (quem diz Porto diz obviamente Lisboa), a uma velocidade decente e europeia, sem interrupções de percurso, é uma velha reivindicação dos amantes do transfronteiriço e da cooperação inter-regional.

A concretização do projeto tem enfrentado inúmeras e diversas peripécias. Do lado português foram várias e a instabilidade foi elemento padrão. Primeiro, a miragem do TGV, alimentada sobretudo pela força reivindicativa e política dos então Presidentes da Câmara do Porto (Fernando Gomes) e do Alcalde de Vigo (Carlos Príncipe), depressa se desvaneceu com o agravamento do panorama orçamental em Portugal. Depois, o processo de eletrificação da ligação Porto-Nine-Viana do Castelo-Valença estendeu-se pelas calendas da indiferença e da falta de “cartos” como dizem os meus Amigos galegos. Está quase pronta, mas ainda faltam alguns pozinhos. Terceiro, sem colocar em causa a eletrificação e sinalização referida no período anterior, a ideia da alta velocidade regressou com Pedro Nuno Santos e Braga emerge de novo como o ponto fundamental da ligação Porto-Vigo, com a promessa ministerial de que o troço Braga-Vigo será o primeiro a ser construído. Quarto, a viabilidade económica da ligação Porto-Vigo nunca convenceu as autoridades de Lisboa e já ouvi uns inteligentes a afirmar que a ligação já não se justificava pois os nortenhos já têm o El Corte Inglês no Porto. Quinto, as coisas complicaram-se para estes argumentadores, pois o que de mais fundamental existe agora na ligação Porto-Vigo é a possibilidade de ficarmos a partir do Norte ligados à Europa em alta velocidade através de Vigo. Tal como o já aqui referi, esta possibilidade incomodou alguma inteligência lisboeta, beliscada nos seus pergaminhos, e dizem as más línguas que o ministro Pedro Nuno Santos terá inventado algum truque na ligação Sines-Badajoz para compensar essa dianteira do Norte na ligação à Europa em alta velocidade.

No que respeita à ligação por Viana do Castelo durante algum tempo subsistiu o problema de que a tecnologia das máquinas que puxam os comboios em ambiente de linha eletrificada não era totalmente compatível entre a CP e a Renfe. Lembro-me de que alguém solícito da CP em Lisboa me informou cabalmente sobre o assunto. Penso que o assunto não estará totalmente resolvido e que seja por isso que são locomotivas galegas a realizar o percurso.

Do lado galego, a partir do momento em que a alta velocidade servindo a Corunha, Santiago de Compostela, Vigo e Ourense está bastante avançada, com a estação central em Vigo já em condições de funcionar, mesmo por detrás do El Corte Inglês, a questão crítica sempre foi o modo como seria concretizada a ligação de Vigo à fronteira. A melhor solução e que se ajusta plenamente ao esforço português de investimento é a da saída sul de Vigo que exige um túnel não propriamente uma enormidade mas que implica algum fôlego de investimento. Os galegos têm equacionado a questão da saída sul discutindo as diferentes opções de traçado, integrando no pacote a ligação à zona industrial e portuária de Bouzas, o que se compreende e que pode favorecer a integração transfronteiriça de mercadorias.

O processo galego não tem sido uma virtude de rapidez e decisão. Mas diz-me a Voz de Galicia de hoje (link aqui) que foram abertas as propostas técnicas para encontrar a definição da saída sul e a ligação a Bouzas. Não é ainda o investimento desejado, mas a solução parece estar perto, o que dará para que as esperas do lado de lá e de cá possam convergir e “ser muito felizes”, a bem desse conceito mítico da Euro-região, que lá vai avançando contra as perspetivas mais receosas e temerárias. Recordo-me que nos tempos de constituição da Comunidade de Trabalho Galiza-Norte de Portugal que ajudei a construir tínhamos a companhia vigilante de um Embaixador para acompanhar o processo. Vá lá que o homem era uma simpatia de pessoa e que percebeu que havia ali trabalho sério e que o todo nacional não estava comprometido. Por isso, quem passou por tudo isto, encontrando o gozo do trabalho, está habituado a esperar.

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