domingo, 25 de julho de 2021

“É MAIS FÁCIL PROCURAR EMPREGO NO ESTRANGEIRO DO QUE NO INTERIOR DE PORTUGAL”

 


(A frase não é minha, mas sim de Ana Cravo, recentemente migrada para o concelho de Seia, filha da terra, mas após uma experiência de trabalho em Lisboa. A sabedoria das suas palavras é um instrumento de realismo. Engenheira do ambiente, Ana encontrou emprego no projeto Aldeias da Montanha como nos conta o Diário de Notícias. Na verdade, quando se invoca o tema da valorização do interior e da fixação de população jovem, a frase da recém-instalada em Seia convida-nos ao realismo de nunca ignorar os custos de oportunidade das decisões individuais e sobretudo a probabilidade de encontrar emprego.)

Cada vez gosto mais de notícias e reportagens como a desta história que o Diário de Notícias nos conta segundo uma perspetiva de Um Outro País (link aqui). A informação deste tipo é preciosa, vai para além de toda a informação estatística que consigamos reunir. A mobilização deste tipo de informação para os trabalhos de planeamento e estratégia territorial exige sempre a necessária contextualização. E esse é um elemento de qualidade que vejo nesta reportagem do jornalista Reinaldo Rodrigues. Ana Cravo é filha de gente da terra e nunca terá perdido o espírito de regresso às origens, não estando provavelmente muito feliz com as incidências da vida urbana em Lisboa e isso terá feito toda a diferença.

A sabedoria das palavras de Ana Cravo está no seu realismo de apreciação das condições e a sua perceção que em termos práticos é mais fácil procurar emprego, mesmo à distância, no estrangeiro do que no interior de Portugal diz bem do realismo da sua apreciação. Chama também a atenção para a ausência de estratégias de habitação compatíveis com os objetivos de atração deste tipo de população jovem já com vida iniciada. O que significa que a própria não sobrevaloriza o que conseguiu alcançar.

Existe de facto excesso de romantismo em muitos dos argumentos que por aí circulam para valorizar as oportunidades do interior e das condições de acolhimento e vivência futura.

Primeiro, não podemos ignorar que o com o panorama das baixas remunerações no plano comparativo europeu (e não valorizemos excessivamente a baixa produtividade, porque a produtividade do trabalho dos portugueses tende a aumentar com a ida para o estrangeiro) coloca sempre o país perante uma ameaça, a de não conseguir fixar as qualificações que tem progressivamente produzido.

Segundo, não se procura emprego no interior a partir desses territórios, estando já lá implantado. A equação é colocada antes de tomar a decisão e o ritmo de criação de emprego nesses territórios condiciona obviamente a probabilidade de se encontrar emprego.

Terceiro, é verdade que podemos valorizar as condições de vida proporcionadas pela baixa densidade e pelas amenidades ambientais de alguns desses territórios interiores. Mas não ignoremos que raras vezes o acolhimento está organizado em função dos fatores determinantes de uma decisão de passar a trabalhar e a viver nessa baixa densidade. É raríssimo encontrarmos nas autarquias serviços especializados na atração e acolhimento de pessoas como a Ana Cravo.

Finalmente, a equação da atração/fixação exige que as oportunidades de investimento e de valorização económica sejam concebidas em conjugação com a sensibilização atrás referida, o que também raras vezes acontece. No caso da fixação da Ana Cravo, é sobretudo uma família de novos projetos e iniciativas em torno da valorização de recursos endógenos e da capacitação desses territórios que encontrou nas qualificações e na vontade da engenheira do ambiente que representou a oportunidade certa. É seguramente uma via, mas não podemos exagerar a magnitude do emprego que essa abordagem poderá criar. Serão necessárias novas alavancas de investimento empresarial para lograr atingir um limiar de mudança.

Até lá, valorizemos o realismo de Ana Cravo mas também o seu entusiasmo de regresso às raízes. Mas não ignoremos que nem todos têm das suas raízes a perceção valorativa que justifique o regresso.

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