sábado, 24 de julho de 2021

MARCELO E OS EMPRESÁRIOS

 

(Pela coincidência que representou Marcelo falar a uma plateia de empresários no Centro de Congressos de Lisboa quando terminava no Parlamento o debate sobre o Estado da Nação, as palavras do Presidente ecoaram fortemente entre os jornalistas. Afinal em tempo de ida a banhos não há quem não boceje perante intervenções como a do líder parlamentar do PSD, Adão e Silva, e por isso há que procurar pimenta em tudo que vier à mão. Embora não tenha encontrado o discurso de Marcelo na página da Presidência, pode ser erro meu, confio na honestidade da jornalista Ângela Silva do Expresso (link aqui) para me agarrar ao essencial do que o Presidente disse. E a minha interpretação não é bem igual à dos papagaios de ocasião.)

Creio que Marcelo tem razão em duas coisas que passaram pelo seu discurso.

Primeiro, a fraca ambição de crescimento de Portugal (é sobretudo fundamental passar ao lado do referencial da média europeia e pensar em voos mais altos), atendendo sobretudo aos desafios que têm de ser respondidos. Mas há aqui um debate por fazer e que levianamente todos ignoram. É que vamos ter de crescer acima desse referencial mas, em simultâneo, operar a desejada transição energética para a descarbonização e isso coloca novos desafios às metas de crescimento. Esta leviandade com que toda a gente papagaia as mudanças climáticas e em simultâneo clama por mais ambição de crescimento mostra, em meu entender, que as primeiras ainda são retórica e que ainda não chegaram ao cálculo económico. E o Presidente acaba por ir no logro e não se apercebe que a equação não é apenas uma questão de ambição.

Segundo, o discurso no Centro de Congressos pode também ser entendido como um sinal da preocupação de Marcelo com a inexistência de alternativas credíveis para assegurar o balanceamento da vida política em Portugal e evitar a indesejável polarização. E embora o Presidente tenha referido que não assistiu ao debate sobre o Estado da Nação, a verdade é que se tivesse assistido teria agravado as suas preocupações. Sou levado a recordar-me de toda a futurologia política surgida por aí quando a pandemia irrompeu nas nossas vidas e quando se antecipou o estado de fadiga e cansaço em que qualquer governo estaria depois de ano e meio de fustigação. O que a futurologia política não antecipou é que a pandemia haveria também de fulminar a própria direita, estranhamente desgastando-a tanto ou mais do que às forças no poder. Por conseguinte, desse ponto de vista, Marcelo apela a uma plateia de empresários, façam qualquer coisinha para ver se reanimam a direita em Portugal e mostrem pela vossa iniciativa a necessidade de mudar de rumo e de encontrar novos protagonistas. Compreendo. Mas se Marcelo pensasse um pouco melhor concluiria rapidamente que os representados daquela plateia também fazem parte do problema e não necessariamente de uma solução auspiciosa. Falo em representados porque não conheço em concreto quem estava na plateia, mas arriscaria a dizer que, mesmo naquela plateia, estaria gente que já não tem nada a oferecer à meta ambiciosa de crescimento económico.

Em primeiro lugar, as empresas portuguesas fazem parte do problema dos baixos níveis de crescimento económico e sobretudo de baixa produtividade. Como já aqui tenho referido, talvez entre 25 a 30% apenas das empresas existentes reúnam condições para responder ativamente a esse desafio, tendo algumas de resolver os seus problemas de sucessão e continuidade na gestão e liderança. Para além disso, a deriva para os não transacionáveis que nos conduziu à crise das dívidas soberanas e ao ajustamento também teve a participação de grupos empresariais que foram na onda das rendibilidades promissoras. Por isso, para que a esfera empresarial possa como um todo alinhar por metas de crescimento mais ambiciosas uma onda de constrangimentos tem de ser mitigados e aí é correto invocar a necessária intervenção das políticas públicas.

Em segundo lugar, se Marcelo clama por novos protagonistas para uma alternativa e balanceamento político necessário, também não pode esquecer que em matéria de representantes empresariais o rejuvenescimento tem andado por muito baixo. E se não houvesse melhor indicador lá estava a múmia paralítica do Fórum para a Competitividade, Ferraz da Costa, na plateia, interventivo como sempre (para múmia não está mal), para ilustrar a minha perspetiva. Não me digam que seja saudável ou mesmo normal um organismo como o Fórum manter por esta infinidade de tempo a sua liderança. Por isso, novos protagonistas, claro que sim. A começar pela representação empresarial. Outros exemplos poderiam ser dados e interrogo-me se a dinâmica empresarial que conseguiu na exportação mitigar o lastro do penoso ajustamento que tivemos de fazer e que mesmo em pandemia tem aguentado o balanço nos mercados externos tem hoje uma representação à altura do seu dinamismo. Mesmo uma organização como a COTEC perdeu fulgor em matéria de promoção da inovação. É óbvio que a nova associação de grandes empresários, presidida por Vasco de Mello, constitui uma novidade e que constitui talvez resposta aos apelos de Marcelo. Mas duvido que ela vá traduzir-se por um grande envolvimento associativo, podendo assumir-se como um elemento de lobby empresarial com algum peso. Aguardemos a evolução dos acontecimentos.

Vai por aí um clamor sobre a questão do PRR e das empresas e bem sei que a argumentação de António Costa sobre os efeitos indiretos do PRR sobre as empresas não responde convincentemente aos problemas. Mas, pode ser distração minha, entre tantas frentes de trabalho e de interesse em que me movimento, mas ainda não consegui vislumbrar uma proposta bem concreta do que é o PRR poderia fazer por essa reivindicação. Reforçar o processo de recapitalização? Apoiar investimento produtivo (e os sistemas de incentivos FEDER do PT 2030, que campo de atuação é que teriam)? Alargar a incidência de apoios para além das tais 2.000 empresas de que fala o economista Fernando Alexandre que tem beneficiado dos Fundos Europeus; Apoiar os clusters mais promissores da economia portuguesa (tecnologias de produção, tooling, TIC, mobilidade, por exemplo), proporcionando-lhes um salto disruptivo e encaminhando as suas empresas para uma nova trajetória de crescimento?

Se quiserem promover um debate desta natureza e com esta consistência, vale a pena alinhar. Para lamúrias, já dei para esse peditório.

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