sábado, 3 de julho de 2021

VELOCIDADE E FOREVER VIRUS

 

(Em marcha para alguns dias de férias no refúgio do costume, que talvez impliquem, dependendo do tempo, uma menor assiduidade de escrita, estou preso a dois temas, o da velocidade das viaturas ministeriais e o suscitado por um excelente artigo da Foreign Affairs que tem por título “The Forever Virus”. É por isso com esses dois temas que me debato, perante o eterno desafio da folha ou do écran em branco.)

O modo como o ministro Eduardo Cabrita vai sobrevivendo começa a ser patético e não contribui nada para o respeito mínimo que a governação merece em democracia, não interessa o suporte político da mesma. A sucessão de casos, de trapalhadas, passos em falso e outras incomodidades é tal que o pior é a perceção de que existe uma regularidade de fraca qualidade em todo o padrão de acontecimentos. Mas no caso do acidente na A6 em que a viatura em que Cabrita circulava como passageiro oficial vitimou um trabalhador, o que mais me choca é os sucessivos governos pactuarem com a interpretação falsa e abusiva de que toda a deslocação de membros do Governo é considerada viagem de emergência. A velocidade a que as viaturas oficiais circulam é chocante e indigna de um País que tem necessariamente de melhorar as suas condições de segurança rodoviária. É incompreensível o paradigma instalado de que toda a viagem oficial tem de ser realizada em alta velocidade, com ou sem sirene de identificação e alerta. O conceito de emergência degradou-se para além dos limites do admissível. Se os Ministros têm muitas deslocações a realizar organizem e planeiem as mesmas como os cidadãos vulgares fazem para poder cumprir a lei de controlo de velocidade. Sem querer enveredar pela conclusão de que uma grande parte dessas deslocações não teriam justificação à luz de um objetivo saudável de redução da pegada ecológica e das emissões de gases com efeito de estufa da governação, que me pareceria uma orientação justificada, uma grande parte dessas deslocações com um planeamento mais rigoroso e uma redução também sensata dos números para a comunicação social permitiria circular nada mais menos que à velocidade consentida aos vulgares mortais.

Suspeito que o desenvolvimento do processo colocará o ministro Cabrita ainda em maiores dificuldades e que a situação pessoal tenderá para o insuportável. O que seria uma boa oportunidade para devolver ao regime de deslocações de emergência o seu verdadeiro sentido.

Um artigo coletivo na prestigiada Foreign Affairs (link aqui) que conseguiu espantosamente sobreviver à era Trump coloca-me perante a evidência certa:

“É tempo de dizê-lo em voz alta: o vírus por trás da pandemia COVID-19 não está a ir embora. O SARS-CoV-2 não pode ser erradicado porque está ainda a crescer em mais de uma dúzia de espécies animais. Entre os humanos, a imunidade global de grupo, em tempos promovida a solução singular, não é atingível. Muitos países simplesmente não têm vacinas para avançar e mesmo no reduzido grupo dos felizes que as têm em quantidade demasiadas pessoas recusam-se a tomá-las.

Em resultado disso, o mundo não atingirá o ponto em que população suficiente estará imunizada para suster a difusão do vírus antes que a emergência de variantes perigosas – que são mais transmissíveis, resistentes às vacinas e mesmo com capacidade de contornar os testes de diagnóstico correntes.”

No âmbito do que será uma luta de longa duração, a melhor forma de combater o negacionismo é transformar as vacinas num bem público capaz de deslocação rápida dos locais em que podem existir em excesso para aqueles em que a incidência é elevada e se regista escassez das mesmas. O que significa que é essencial estender o exemplo da boa prática da cooperação internacional na produção das vacinas ao desafio da sua distribuição em função dos critérios acima mencionados.

Grande parte dos países que enfrentaram com êxito a incidência da pandemia aprenderam em grande escala com as pandemias das últimas décadas em torno dos SARS, criando antecipadamente infraestruturas de saúde e formas de planeamento de resposta rápida e coordenada.

E pensando em horizontes de longo prazo para nos organizarmos em função da resistência necessária ao FOREVER VIRUS não pude deixar de registar as palavras simples de um dos grandes do planeamento estratégico, Henry MIntzberg, a cuja obra sempre recorro quando estou numa encruzilhada em qualquer trabalho de planeamento estratégico. Como costumo dizer, os esquemas diagramáticos mais simples escondem sempre uma clareza ímpar de pensamento.

Num tweet dos mais simples e num vídeo de cerca de um minuto, Mintzberg diz-nos simplesmente isto:

Em situação de crise, vamos em busca de um governo que nos proteja, de empresas que nos possam abastecer e de comunidades em que nos possamos envolver. Se olharmos para os países com melhor desempenho eles apresentam este equilíbrio.”

Ó gente distraída o que é que não percebem nestas palavras simples?

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