O debate do Estado da Nação deste ano foi morno e medíocre, muito centrado em “casos e casinhos”, reivindicações repetitivas, chico-espertices parlamentares e uma desesperante falta de qualquer visão de fundo de qualquer das partes do espetro partidário. Daí que aqui me limite a um tema pontual, embora revelador: a troca de galhardetes entre o primeiro-ministro e a deputada do CDS Cecília Meireles em torno da já estafada questão da distribuição do PRR entre o setor público e o setor privado, uma matéria que releva mais no que revela de recíprocas ausências de rumo do que no que toca a uma avaliação séria de um programa largamente distante do que o seu volume financeiro permitiria e do que se lhe poderia exigir, padecendo ainda de uma manifesta falta de ambição mobilizadora para o País.
O primeiro-ministro, a insistir predominantemente no papel das encomendas às empresas através das várias instâncias do Estado (sem prejuízo de uma breve alusão a apoios diretos também disponíveis):
“Quando olha para o Programa de Recuperação e Resiliência, não engane as empresas a dizer que o grosso do investimento não é dirigido às empresas. Senhor Deputado, desde logo 11 mil milhões de euros são dirigidos a encomenda às empresas. Quando um município constrói habitação para realojar uma família carenciada, quem é que vai construir essa habitação? É o município ou é uma empresa que vai realizar essa empreitada?
Senhor Deputado, quem é que vai receber de apoios diretos para a descarbonização, para a transição digital, para as alianças mobilizadoras, para abrir a economia, se não as empresas? São 5 mil milhões de euros de apoios diretos exclusivamente dedicados às empresas do Plano de Recuperação e Resiliência.
E depois, Senhor Deputado, as empresas serão as grandes beneficiárias também dos investimentos que indiretamente o Estado vai fazer na diminuição dos custos de contexto, por exemplo na justiça económica, ou na formação de recursos humanos. A formação de recursos humanos, claro que beneficia em primeiro lugar o próprio formando, mas beneficia indiretamente todo o tecido empresarial que vai ter melhor capital humano para ajudar a melhorar a produtividade das empresas.
É isto que as empresas vão ter, efetivamente, no Plano de Recuperação e Resiliência.”
A deputada, a contrapor com propriedade e justeza ao limitado argumento primordial de Costa (ainda que talvez exagerando no plano das ilações laterais):
“Sobre o chamado PRR: aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro ali veio apresentar é basicamente a ideia que eu acho que o Governo tem para o PRR, que é o Governo com o livro de cheques na mão a passar cheques a vários setores da Administração Pública. Eu registo aqui as escolhas e eu ouvi-o com atenção: aquilo que disse é que apenas 30%, sensivelmente, deste PRR vai para as empresas, a outra parte vai para o setor público e diz o Sr. Primeiro-Ministro: ‘não, não, mas também vai para as empresas porque depois o setor publico, na aplicação destes fundos, vai contratar empresas’. É exatamente essa escolha de fundo que me parece criticável, Sr. Primeiro-Ministro, porque aquilo que está a dizer é que, de facto, o dinheiro vai para as empresas mas em vez de ir para as empresas dos setores dinâmicos, dos setores que concorrem em mercado, dos setores exportadores, vai para a contratação pública, vai para as empresas que se sabem mexer nos corredores do Estado e na contratação pública. É uma escolha profundamente errada, Sr. Primeiro-Ministro, porque é uma visão profundamente clientelar da economia e do que deve ser o desenvolvimento económico.”
E assim vamos neste Verão tão atípico que nem consegue chegar aos calcanhares de velhas silly seasons. No que me respeita, preparo uma pequena escapadela enquadrável no que a pandemia permite para depois ir ou não a banhos nas águas frias do Norte.
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