segunda-feira, 26 de julho de 2021

SERÁ ESTE O MILAGRE ALEMÃO?

 

(Há gráficos que por vezes nos impressionam e nos remetem para reflexões inesperadas, que sem esse estímulo visual seriam reservadas sabe-se lá para quando. A economia alemã está permanentemente sob atenção dada a sua relevância (muito boa gente chama-lhe motor da Europa, expressão que me reservo não utilizar), mas temos de convir que a língua contribui para que muita informação escape aos radares de quem gosta de se considerar informado. O gráfico que me atraiu a atenção tem origem em trabalho do jornalista economista Matthew Klein o que é uma certificação de rigor. Embora o artigo do OVERSHOOT (link aqui) em que o gráfico se insere não esteja disponível para não assinantes, a imagem vale por si.)

O gráfico acima descreve desde 1995 o comportamento da criação/destruição de emprego nas suas categorias fundamentais de trabalho a tempo integral e de trabalho a tempo parcial (o vulgar part-time) na Alemanha.

É conhecido que o contexto socioeconómico do trabalho a tempo parcial tem que se lhe diga, uma vez que ele pode representar diferentes perspetivas e necessidades suscitadas pelo mercado de trabalho e pela procura de emprego. Aprendemos que, por exemplo, nos incontornáveis países escandinavos e também noutros países do Norte (Países Baixos à cabeça) o trabalho a tempo parcial resulta de uma procura de condições mais perfeitas de conciliação da vida profissional e da vida familiar (não apenas em função da mulher), mas também de novas perspetivas sobre o bem-estar pessoal que a cultura urbana tem vindo a promover. Nestes contextos a que me refiro, em que predominam níveis elevados de salários, o trabalho a tempo parcial dispõe de uma margem de manobra de rendimento que em países de baixos salários não é possível atingir. Nestes últimos, o pluriemprego é uma forma de sobrevivência e de multiplicação do rendimento. O part-time muito mais dificilmente resulta de opções próprias de modelo de vida. É o que se pode arranjar e a pluriatividade é uma forma engenhosa de elevar o rendimento, jogando no mar da precariedade estratégias de pura sobrevivência. Assim, por exemplo, dos cerca de 467.500 indivíduos empregados a tempo parcial em Portugal registados no ano de 2020 muito provavelmente será reduzido o número daqueles que se encontra nessa condição de vida, anunciando novos modelos de felicidade e bem-estar.

Mas o que impressiona no exemplo alemão é a desproporção do crescimento do part-time face à diminuição do trabalho a tempo integrar e sobretudo a partir de 2015 o esmagador predomínio dos novos postos de trabalho criados em regime de part-time.

E a interrogação surge com espontaneidade.

Será que a sociedade alemã está a caminho de uma transição para um novo modelo de organização do trabalho e do bem-estar, viabilizando pelo trabalho a tempo parcial uma aproximação ao pleno emprego potencial?

Será que o esmagador domínio do trabalho a tempo parcial antecipa a ideia de que a jornada de trabalho no capitalismo de hoje deve ser totalmente reformulada a caminho da semana de quatro dias?

Ou será que o “motor” alemão é mais frágil do que pensamos?

Mesmo considerando que as duas primeiras interrogações não são para ser ignoradas, sobretudo em contexto de altos salários no plano comparativo europeu, a minha intuição leva-me a considerar que podemos estar perante a surpresa da terceira interrogação. Voltaremos ao assunto.

 

Nota final:

É provável que em próximos posts regressemos à Alemanha. Até porque, como é usual cá pelo burgo (exceção feita a Nuno Rogeiro que pensa nestas coisas), ninguém ligou patavina ao problema geoestratégico que entrou pela União Europeia dentro com os esforços de Merkel para manter e operacionalizar o gasoduto que liga a Alemanha à Rússia.

Compreensivelmente, Polónia e os países Bálticos não gostam nada da ideia e, como sagazmente Wolfgang Münchau o lembra (link aqui), a China estará pronta para equilibrar as coisas. Sorrateiramente, Angela Merkel quer antes de se afastar resolver o assunto, mas é crível que os Verdes possam complicar a equação.

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