(Sinal dos tempos, é paradoxal que em tempos de pandemia, ou seja, de ameaças à escala global, pouca coisa tenha sido publicada sobre abordagens globais para preparar a economia mundial para futuros fenómenos desta natureza, que segundo alguns estarão aí à porta, dada a aceleração do tempo em que vivemos. Por isso, independentemente da sua valia ou alcance, o simples facto do G-20 ter mandatado o seu grupo de peritos, em que Larry Summers pontua, para discutir novos modelos de financiamento de como preparar o mundo para enfrentar novas ameaças é por si só um acontecimento e um facto digno de registo neste espaço de reflexão ...)
É de facto sinal dos tempos que, face a uma ameaça que eclodiu globalmente e cuja transmissibilidade a nível mundial é indiscutível, o modelo dominante de resposta tenha sido o de cada um por si. E, como sabemos, mesmo ao nível da União Europeia a tentação dos voluntarismos nacionais foi a pedra de toque das respostas.
Neste contexto em que as abordagens nacionais se sobrepuseram à da cooperação global e, obviamente, que nessas condições é o mexilhão dos mais pequenos e com menos recursos que pior se dá, carregando com maior peso de mortes e de incidência económica dos efeitos dos confinamentos. Se é verdade que a má abordagem de alguns dos poderosos também lhes fez pagar em termos de morbilidade e de destruição económica o preço dessa incompetência, isso não ofusca a claríssima falta de visão cooperativa global para mitigar os efeitos pandémicos.
Foi por isso com alguma curiosidade que, reforçada pela presença do nome de Larry Summers e Ana Botín (Santander) no grupo de peritos (sem esquecer que a presença de Jean Claude Trichet em tal grupo faz esmorecer qualquer um) , tive conhecimento deste Global Deal (link aqui) que tem a sua origem no G-20 que mandatou o seu grupo de peritos para avaliar que rumos de financiamento podem ser assumidos para a preparação necessária para o que estará aí à porta, novas pandemias.
O argumento central do relatório consiste no reconhecimento de que “o mundo não está desprovido da capacidade de limitar os riscos pandémicos e responder de modo mais efetivo ao COVID-19. Temos as ideias, os recursos científicos e tecnológicos, as capacidades empresariais e da sociedade civil e os recursos financeiros necessários.”
Esta conversa conhecêmo-la há muito tempo, por exemplo desde o tempo em que muita gente concluiu que não existem razões objetivas para uma parte do mundo morrer de fome quando os recursos existem para evitar essa tragédia. O problema está em como fazer ou conseguir induzir a cooperação necessária para que o potencial existente de recursos seja eficazmente mobilizado. Os autores do relatório expressam que é preciso pensar mundial e não nacionalmente, promovendo a intensificação do multilateralismo e reduzindo o peso do bilateralismo. Ou seja tempo de produção e distribuição de bens públicos mundiais. Também já ouvimos repetidas vezes esta conversa e o que mais inquietante é que nem perante a consumação da ameaça (o lobo chegou mesmo) se vislumbram nem mudança de atitude, nem ações efetivas. Poderão os mais magnânimos dizer-me que apesar de tudo a pandemia reduziu a fúria dos nacionalismos mais extremos. Isso é verdade porque a pandemia desnudou-lhes a incompetência, mas o fenómeno não desapareceu e mesmo a União Europeia não pode ignorar mais o problema, ele está no seu interior como hoje a sempre arguta Tersa de Sousa nos mostra à evidência no Jornal Público.
Em matéria de propostas, o relatório do Global Deal apresenta algumas novidades, com algumas metas quantitativas (mínimo de 15 mil milhões de dólares ano para reatividade e preparação e um mínimo de 10 mil milhões de dólares ano para um Global Health Threats Fund) e a que me parece mais interessante inscrever no mandato central do Banco Mundial o financiamento de investimentos que constituam bens públicos mundiais. Para além disso, há propostas para o reforço do financiamento da OMS, iniciativas para a monitorização sistémica e global de pandemias, alavancagem da ação empresarial e de entidades filantrópicas.
Curiosamente, ou se calhar não, pouca ou nenhuma coisa sobre a mais generalizada capacitação para a produção de vacinas e sua disseminação segundo modelos de pipeline que as façam circular de onde são menos precisas para onde o são mais.
Vale a pena seguir estas propostas, que estão inscritas temporalmente no documento, para ver se não estamos perante mais um daqueles exercícios de retórica que pretendem ocultar o problema real da incipiente governação mundial, ainda que agora reforçada pelo I’m back de Joe Biden e dos Americanos.
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