As Jornadas Parlamentares do Partido Socialista ocorreram na semana finda em Caminha, talvez para também darem uma forcinha ao equívoco autarca local (Miguel Alves). Cumpriram uma das suas possíveis missões, a de procurar unir as hostes e de as animar, mas não aquela outra que lhes deveria caber de serem mais uma espécie de momento de formação de quadros e combate à indigência reinante do que de mera e frequentemente rasteira propaganda política.
E não faltaram as tão luso-portuguesas promessas de que vamos ser os melhores a executar o PRR — aliás, e sintomaticamente, o ministro do Planeamento reforçou essa postura contabilístico-executora ao anunciar em paralelo que não deixaremos ficar nada por gastar e que já executamos metade do planeado para este ano —, para fazer o quê e chegar aonde isso é mais complicado e logo se verá (apesar de o mesmo Nelson de Souza ter anunciado, com honras de chamada de capa na “Visão”, que já está aberta a possibilidade de financiamento à mudança de portas e janelas de casa).
A líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, ainda ensaiou uma resposta algo mais consistente nesta direção, mas uma incorrigível e vulgar lógica estatista está entranhada nestes dirigentes socialistas que pararam ideologicamente no século XX: sublinhe-se, desde logo, a afirmação peregrina de que “o papel fundamental do PRR é o combate à bolsa de exclusão e pobreza que ainda hoje existe em Portugal” — porque, sem prejuízo das nossas múltiplas dimensões sociais estruturalmente lacunares (e da necessidade de as atalhar o mais possível, trate-se da exclusão social e pobreza, do apoio à infância, dos estrangulamentos na habitação, dos problemas dos jovens recém-licenciados ou de qualquer outro dos passivos que visivelmente ostentamos), o espírito subjacente ao PRR sempre foi orientado por um alcance estratégico, i.e., virado para uma transformação essencial das condições nacionais de criação de riqueza; porque a “melhoria significativa dos salários dos portugueses”, sendo obviamente um desiderato louvável, não ocorrerá sustentadamente fora de um tal processo de consolidação e upgrade dessa mesma criação de riqueza; e porque, finalmente, “uma política fiscal para a classe média” — a adesão a uma ideia de respostas para a classe média é poderosa e fica sempre bem no pacote das grandes parangonas declarativas) — não é evidentemente deste campeonato, além de que exigiria antes de mais uma política económica e financeira com sentido e capaz de integrar coerentemente a componente fiscal no seu seio.
Era talvez isto mesmo que alguns críticos queriam significar quando vieram a terreiro defender que havia pouco de empresarial no PRR (e muito de listagem de necessidades assacáveis a políticas públicas até agora deficientes, seja por razões de incompetência fundamental na sua prossecução seja por razões de natureza financeira pura e dura). A social-democracia (de que o PS detém ainda o estatuto de maior expoente em Portugal) carece urgentemente de uma mudança de mindset se pretender evitar uma crescente e inevitável marginalidade de representação (veja-se a sua significativa ausência nos maioria dos quadros políticos dominantes à escala europeia) — o que pressupõe mais trabalho e menos preguiça, mais criatividade e menos clichés, mais humildade e capacidade de ouvir e menos arrogância e triunfalismo, mais ligação à realidade e conhecimento efetivo da mesma e menos circuitos autocentrados e fechados a estranhos à família. Estarei provavelmente enganado, mas todos os sinais profundos a que vou acedendo e que me são dados recolher — daqueles que começam por ser largamente impercetíveis até que conquistam um verdadeiro espaço de afirmação na sociedade — apontam no sentido da crescente improcedência da ideia que pairava naquele confiante fórum reunido no Alto Minho: “arriscamo-nos a ser o futuro do país durante muito tempo”; veja-se, nem por acaso, a perda de popularidade registada por António Costa numa sondagem ontem divulgada.
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