sexta-feira, 23 de julho de 2021

O ESTADO DA NAÇÃO

 

                                                                                    

(A iniciativa parlamentar de discutir o Estado da Nação poderia representar uma oportunidade única de trazer ao debate político resultados de investigação produzida por instituições e think-tanks independentes, credíveis e prestigiados. Esses fundamentos não abundam e os que existem ainda têm de calcorrear caminho para serem reconhecidos e, por outro lado, os partidos políticos em Portugal teimam em substituir-se a essas fontes recomendáveis. Resultado: desastre, aborrecimento, chicana política, irrelevância, oportunidade anualmente perdida trucidada pelo desejo normal de ida para férias.)

Tenho sérias dúvidas de que a colocação do debate parlamentar sobre o Estado da Nação antes da Assembleia da República interromper atividade para férias (com toda a gente desgastada a começar pelo seu Presidente) é uma boa opção. Mas dou de barato essa decisão. Mesmo com esse quadro seria possível fazer melhor, muito melhor.

A alimentação de um fundamentado debate sobre o Estado da Nação deveria constituir uma oportunidade única de carrear para o debate político resultados de investigação independente, reconhecida e com escrutínio entre pares. Temos de convir que não abundam esses referenciais. Começam a fazer o seu caminho, mas há muito a percorrer para que o debate político reconheça a sua existência. Cito alguns desses exemplos. “O Estado da Nação e as Políticas Públicas” elaborado pelo ISCTE (através do seu Instituto Para as Políticas Públicas e Sociais), com edição de 2021 coordenada por Ricardo Paes Mamede e Pedro Adão e Silva (link aqui) é talvez o exemplo que tem mais caminho percorrido, mas a sua consistência e aprofundamento de análise ainda tem francas margens de progresso para um melhor reconhecimento. A Fundação Francisco Manuel dos Santos e o Institute of Public Policy (em que pontua Paulo Trigo Pereira e o ISEG) têm espaço, recursos e credibilidade para aparecerem neste terreno. E este ano tivemos a novidade do aparecimento da Fundação José Neves (ligada à FARFECH) com a excelente primeira edição do Estado da Nação -Educação, Emprego, Competências 2021 (conflito de interesses, o meu filho Hugo Figueiredo, Universidade de Aveiro e CIPPES integrou a equipa) (link aqui). Não ficaria mal, também, a organismos públicos virem a terreiro confrontar as suas próprias perspetivas com a do olhar exterior.

Ao contrário dos elementos do Eixo do Mal não tive pachorra para adormecer com o debate parlamentar, mas pela informação noticiada na imprensa sobre o debate percebe-se que nenhum dos Relatórios atrás citados conseguiu influenciar a discussão. O que é sinal da incapacidade dos representantes parlamentares para fundamentar o seu próprio discurso e argumentação, mas também da fragilidade do caminho percorrido e do reconhecimento do trabalho dos think-tanks (acaso possa aplicar-se esta designação ao que se faz em Portugal nesta matéria).

Claro que o Estado da Nação 2021, assim como o 2020, não é um Estado qualquer. Ele é obviamente marcado por mais do que um ano e meio de pandemia e isso coloca a análise num plano incontornavelmente singular.

O Governo enfrenta a dificuldade de surgir no plano comparativo da União Europeia com uma intensidade de ajudas às famílias e às empresas que não lhe assegura uma fotografia risonha. A sua defesa parece residir na relação entre intensidade de ajudas e efeitos de quebra económica e sociais e há que convir que sob essa perspetiva não pode dizer-se que a avaliação possa ser muito severa. Claro que o êxito do processo de vacinação conta e de que maneira para atenuar o eventual desgaste provocado pela fraca intensidade comparativa das ajudas. E é certamente essa dimensão que justifica que o primeiro-Ministro se tenha autenticamente passado com duas afirmações não direi suicidárias, mas algo alucinadas. O modo como a vacinação nas crianças entre os 12 e os 17 foi anunciada brada aos céus, seja no plano ético, seja no plano da razoabilidade e segurança científicas. E tal qual Boris Johnson (o que é manifestamente apropriado numa figura como António Costa) a libertação total foi anunciada para fins de setembro.

Estou preocupado. Acho que o desgaste da pandemia na governação é brutal e compreendo-a perfeitamente, embora haja gente como Marta Temido a aguentar estoicamente esse desgaste. Mas quando esse desgaste parece dar para a alucinação contranatura (isto é face às características do personagem) a preocupação instala-se.

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