(Já há muito tempo que não vivia uma daquelas finais de futebol em que o resultado nos deixa um pouco zonzos, não apenas pela intensidade da batalha, mas sobretudo pela ambivalência do seu significado. Assim foi em Wembley, num contexto em que o coração era italiano mas a razão apontava para outros argumentos. Explico-me...)
Foi sem dúvida uma final de cortar a respiração, confrontando dois países que tinham recebido o benefício de jogar entre muros a fase de classificação e a Inglaterra majorando essa benesse apenas com uma escapadela curiosamente a Roma.
Emocionalmente as expectativas pendiam-me para os latinos, mas a equipa inglesa apresentava finalmente uma consistência apreciável e por isso estava curioso pelo embate entre os dois modelos.
Não sou propriamente um entendido na matéria, mas tenho para mim que do ponto de vista tático e estratégico os treinadores ingleses são bastante insípidos. Esperava por isso que o Mancini metesse num bolso as invenções de Southgate. Mas o início do jogo e em grande medida toda a primeira parte avisaram-me que não seria assim. Afinal, o por vezes incompreensível Southgate montou uma tática armadilha e, bafejado pela benesse de um golo ainda os italianos arranjavam os calções para a fotografia, dominou praticamente todo o primeiro tempo, com os italianos incomodados por aquela surpresa de não poderem ter bola.
Imaginei que a minha tese sobre a incipiência dos treinadores ingleses iria cair por terra. Com uma defesa coriácea, dois meio campistas de eleição que irão marcar o futebol inglês das próximas gerações, Philips e Rice, Southgate pareceu ele próprio surpreendido com a rapidez com que se colocou na frente do marcador. A mota de rodado de pequena dimensão que é Sterling ensaiou poucas vezes os seus raids mortíferos e quando nas poucas vezes que o tentou os quase avozinhos Chiellini e Bonucci encarregaram-se de o por ao nível, não permitindo que a dúvida da grande penalidade contra a Dinamarca se repetisse. E a raposa Mancini respondeu com o seu plano B, colocou o rebelde de Nápoles Insigne como falso avançado-centro e intensificou a rotação de bola com um surpreendente Cristante (mais um indicador de que o aproveitamento de jogadores no SLB é uma miséria) e foi rejuvenescendo a equipa e num canto deu a estocada da qual Southgate não teve estofo para o contrariar.
Southgate reuniu uma equipa de jovens de respeito e, independentemente das dúvidas que me colocou o sistemático adiamento da entrada em jogo dos ingleses mais criativos (tais como Grealish do Aston Villa ou Foden do City, impossibilitado fisicamente de participar na final), a verdade é que nunca vi uma seleção inglesa tão determinada e consistente, fazendo claro está o futebol que culturalmente aprenderam a maturar.
À medida que a hipótese do desempate pelas grandes penalidades começou a ganhar corpo, imaginei que Southgate inventasse mais uma daquelas decisões incompreensíveis (substituindo gente que tinha entrada ao longo do jogo) e não me enganei. Mesmo a acabar o prolongamento lá entraram Rashford e Jadon Sancho, certamente com base em algum estudo estatístico que mostra que jogadores mais frescos marcam as penalidades com maior eficácia. Até pode ser verdade, mas Southgate atamancou o raciocínio e ignorou o outro elemento fundamental, a confiança e a maturidade psicológica face a um guardião do Império Romano, o gigante Gianluigi Donnarumma. Rashford, Sancho e Sako foram lançados às feras e bastou estar atento ao autêntico bailado que Rashford concretizou para atirar ao poste para compreender que, na baliza, não estava apenas um Grande guarda-redes e um guarda-redes Grande, estava a grande ameaça à confiança daqueles três jovens de uma criatividade insuperável.
Por um lado, a vitória da Itália é uma espécie de BREXIT completado, ganhou quem ficou e perdeu quem quis sair. A raposa venceu os três leões impetuosos. Mas para mim, a equipa inglesa era mais do que isso. Era uma equipa exemplar da juventude e da diversidade étnica e racial com que a Inglaterra dos tempos de hoje se estrutura. Southgate conheceu e preparou essa juventude nos sub 21 e tem todo o mérito do mundo de oferecer ao seu país uma seleção que tem um potencial de maturação muito elevado. Por isso emocionalmente ganhei e racionalmente perdi. E para cúmulo de todos os feitiços, Southgate fez parte do grupo que falhou grandes penalidades na trágica meia-final com a Alemanha de 1996, aliás aquela que determinou a eliminação inglesa.
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