quarta-feira, 21 de julho de 2021

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

 


(Nestes últimos dias, parece que finalmente as consciências nacionais, designadamente as mais conectadas com as empresas, se aperceberam da dimensão do desafio que consistirá em colocar o tecido empresarial português em linha com os objetivos de neutralidade carbónica da União Europeia e que Ursula von der Leyen explicou com toda a clareza. Reconheço que o tema não é fácil e que apresenta sofisticação técnica que baste para ser apropriado pela ligeireza do debate nacional, mas convenhamos que se discute bem pouco a questão da energia nas suas diferentes dimensões.)

Curiosamente, parece que os astros convergiram para termos praticamente em simultâneo várias entradas possíveis para dedicar mais e melhor atenção ao tema.

                                                                                (El País)
 

A começar pela questão do preço a que a energia elétrica é comercializada. Os jornais espanhóis têm dedicado ao tema muito mais atenção do que os portugueses. Conhecendo a existência do MIBEL – Mercado Ibérico de Energia Elétrica e tendo em conta que no âmbito dessa realidade os preços de comercialização em Portugal e em Espanha estão praticamente iguais (em 2021, o preço diário de mercado do MIBEL Portugal era de 58,60 euros/MWh e em Espanha de 58,58), espanta um pouco a diferente repercussão mediática do tema entre os dois países. Ora, nos últimos dias, como mostra o gráfico acima, a subida do preço da energia elétrica é assinalável. No mercado grossista, o valor médio de MWhora atingiu o valor de 106 euros, o que pressupõe que nas horas mais caras, com o mínimo a ultrapassar a barreira psicológica dos 100 euros. Embora possa tratar-se de uma semana relativamente particular, a verdade é que será essa a tendência prevalecente no verão. As causas deste disparar dos preços, não comum apenas ao MIBEL mas pelos vistos a toda a Europa são várias, onde não é de ignorar a queda do peso das renováveis na produção global (menos vento e redução da influência da energia eólica) e a própria canícula que faz disparar a procura de energia para climatização. Mas o que mais atraiu a minha atenção foi o facto dos analistas associarem a subida do preço também a uma espécie de antecipação dos custos associados aos direitos de emissão de CO2. Existe também o fenómeno da influência provocada pela subida do preço do gás, associada à maior intensidade de procura dessa fonte de energia que a China está a impulsionar e a problemas de restrição de oferta localizados na Rússia.

Alguns responsáveis ministeriais europeus, designadamente os espanhóis, têm-se queixado amargamente do impacto provocado pela regulação europeia que faz alinhar os preços com os custos da geração de energia elétrica mais cara, o que deixa antever que a questão estará já a ser discutida no plano da União Europeia.

Mas a referência ao aspeto específico dos direitos de emissão é a que suscita mais reflexão. A questão da transição fiscal que permita a transição energética tem sido muito pouco discutida e, em meu entender, será crucial para que o alcance da neutralidade carbónica seja concretizado sem penalizar a já abalada competitividade europeia.

                                                (Fonte: Cálculos próprios a partir de Eurostat -database)

Em 15 anos, fizemos uma evolução aceitável em termos de peso de renováveis no consumo final de energia, mas essa evolução não faz esquecer o grande desafio da indústria nacional em conseguir contribuir para a neutralidade carbónica europeia. As consciências agitaram-se, o termo da transição energético-climática entrou na gíria da programação, mas o debate de suporte é pobre senão existente, como aliás o mostrou a questão do hidrogénio lançada para o espaço mediático um pouco à toa e sem inteligência de fundamentação.

Por isso, fico perplexo quando o discurso da ausência de estratégia vem à superfície. Porque se pensarmos bem, os temas estão aí e é necessário definir um posicionamento por exemplo na transição energética. Qual é o road map para que a indústria portuguesa faça o seu caminho em linha com as metas da União Europeia? Juntem quem sabe, e há gente no setor que vale a pena mobilizar, e passemos além da fraseologia da programação e por favor vão um pouco mais além da eficiência energética tão mal-tratada no último período de programação. E comecemos a pensar numa transição fiscal consequente para a descarbonização.

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