(Nestes últimos dias, parece que finalmente as consciências nacionais, designadamente as mais conectadas com as empresas, se aperceberam da dimensão do desafio que consistirá em colocar o tecido empresarial português em linha com os objetivos de neutralidade carbónica da União Europeia e que Ursula von der Leyen explicou com toda a clareza. Reconheço que o tema não é fácil e que apresenta sofisticação técnica que baste para ser apropriado pela ligeireza do debate nacional, mas convenhamos que se discute bem pouco a questão da energia nas suas diferentes dimensões.)
Curiosamente, parece que os astros convergiram para termos praticamente em simultâneo várias entradas possíveis para dedicar mais e melhor atenção ao tema.
(El País)
A começar pela questão do preço a que a energia elétrica é comercializada. Os jornais espanhóis têm dedicado ao tema muito mais atenção do que os portugueses. Conhecendo a existência do MIBEL – Mercado Ibérico de Energia Elétrica e tendo em conta que no âmbito dessa realidade os preços de comercialização em Portugal e em Espanha estão praticamente iguais (em 2021, o preço diário de mercado do MIBEL Portugal era de 58,60 euros/MWh e em Espanha de 58,58), espanta um pouco a diferente repercussão mediática do tema entre os dois países. Ora, nos últimos dias, como mostra o gráfico acima, a subida do preço da energia elétrica é assinalável. No mercado grossista, o valor médio de MWhora atingiu o valor de 106 euros, o que pressupõe que nas horas mais caras, com o mínimo a ultrapassar a barreira psicológica dos 100 euros. Embora possa tratar-se de uma semana relativamente particular, a verdade é que será essa a tendência prevalecente no verão. As causas deste disparar dos preços, não comum apenas ao MIBEL mas pelos vistos a toda a Europa são várias, onde não é de ignorar a queda do peso das renováveis na produção global (menos vento e redução da influência da energia eólica) e a própria canícula que faz disparar a procura de energia para climatização. Mas o que mais atraiu a minha atenção foi o facto dos analistas associarem a subida do preço também a uma espécie de antecipação dos custos associados aos direitos de emissão de CO2. Existe também o fenómeno da influência provocada pela subida do preço do gás, associada à maior intensidade de procura dessa fonte de energia que a China está a impulsionar e a problemas de restrição de oferta localizados na Rússia.
Alguns responsáveis ministeriais europeus, designadamente os espanhóis, têm-se queixado amargamente do impacto provocado pela regulação europeia que faz alinhar os preços com os custos da geração de energia elétrica mais cara, o que deixa antever que a questão estará já a ser discutida no plano da União Europeia.
Mas a referência ao aspeto específico dos direitos de emissão é a que suscita mais reflexão. A questão da transição fiscal que permita a transição energética tem sido muito pouco discutida e, em meu entender, será crucial para que o alcance da neutralidade carbónica seja concretizado sem penalizar a já abalada competitividade europeia.
(Fonte: Cálculos próprios a partir de Eurostat -database)
Em 15 anos, fizemos uma evolução aceitável em termos de peso de renováveis no consumo final de energia, mas essa evolução não faz esquecer o grande desafio da indústria nacional em conseguir contribuir para a neutralidade carbónica europeia. As consciências agitaram-se, o termo da transição energético-climática entrou na gíria da programação, mas o debate de suporte é pobre senão existente, como aliás o mostrou a questão do hidrogénio lançada para o espaço mediático um pouco à toa e sem inteligência de fundamentação.
Por isso, fico perplexo quando o discurso da ausência de estratégia vem à superfície. Porque se pensarmos bem, os temas estão aí e é necessário definir um posicionamento por exemplo na transição energética. Qual é o road map para que a indústria portuguesa faça o seu caminho em linha com as metas da União Europeia? Juntem quem sabe, e há gente no setor que vale a pena mobilizar, e passemos além da fraseologia da programação e por favor vão um pouco mais além da eficiência energética tão mal-tratada no último período de programação. E comecemos a pensar numa transição fiscal consequente para a descarbonização.
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