domingo, 28 de maio de 2023

O BLOCO

 


(A Convenção do Bloco de Esquerda que materializava a passagem de testemunho de Catarina Martins a Mariana Mortágua foi certamente programada para um fim de semana que permitisse alguma notoriedade mediática. Mas o planeamento enfrenta sempre a indeterminação do futuro e nunca terá passado pela cabeça aos cenarizadores bloquistas que este fim de semana fosse marcado pela incerteza do final da Liga de futebol e, nestas coisas, a comunicação social é implacável, vai à procura do mediatismo. E, como ao contrário deste vosso Amigo, que gosta de sofrer e celebrar sozinho as vitórias do SLB, a multidão gosta de festejar e lá se foi a notoriedade da passagem de testemunho de Catarina a Mariana. A situação não está fácil para o Bloco e o melhor indicador foi a presença dos fundadores Fernando Rosas, Francisco Louçã e Luís Fazenda para marcarem o apoio à nova liderança, a bem preparada e economicamente letrada Mariana. Como sempre e como seria de esperar, o PS foi o bombo da festa, levou marteladas e caneladas até dar com um pau, até porque tem sido a esquerda do PS, mais próxima do Bloco, com Pedro Nuno Santos e João Galamba à cabeça, que tem estado no estranho olho do furacão de uma maioria absoluta que se esboroa estupidamente por si. Acusações alucinadas de que o PS é o padrasto do populismo que grassa na sociedade portuguesa é de rebolar de rir e mostra como a situação está tensa entre os bloquistas, sobretudo depois do pedido aberto de fundos para o partido ter sido um autêntico flop. O militantismo já não é o que era.

A substituição de Catarina Martins por Mariana Mortágua é compreensível, tem sentido e seguramente que seria praticamente impossível encontrar nas hostes bloquistas pessoa económica e politicamente melhor preparada do que Mariana Mortágua. O futuro de Catarina Martins não se sabe bem se passa por algum golpe de asa, como por exemplo uma candidatura ao Parlamento Europeu, onde Marisa Matias parece perdida em combate ou à Câmara de Gaia, atendendo ao círculo eleitoral em que Catarina normalmente vota. A presença mediático-eleitoral de Catarina continua a ser um ativo relevante e, nos tempos de perda em que o partido se encontra, seria estranho que não se pretendesse valorizá-lo.

Claro que, nos últimos tempos, a comunicação social que se pretende uma alternativa de poder já não anda ao colo com o Bloco como acontecia no passado. As diatribes de Ventura são mais apelativas e as peripécias “galambianas” fizeram o resto.

Francisco Louça é a própria Mariana Mortágua têm-se esforçado por apelar ao sentido e competências de governação do Bloco, mas a verdade é que nos últimos tempos muito pouco tem sobressaído do discurso dos bloquistas mais influentes. Por exemplo, num domínio em que o Bloco está muito bem preparado, as questões da financeirização, fazendo dano aos desvios do nosso sistema financeiro e seus principais protagonistas, a posição do partido passou relativamente despercebida na questão crítica da banca manter largamente positivo o desvio entre as taxas que remuneram os depósitos e as taxas de juro de referência em alta. Louça e Mortágua têm formação académica que baste para denunciar os termos em que esse desvio faz parte das condições de aplicação da política monetária restritiva em curso. Mas muito pouco se ouviu, talvez não seduzidos pelo hermetismo económico do tema.

Noutro plano, o partido nunca teve um discurso influente sobre a não coesão territorial do país, sugerindo que, pela sua base de apoio, o Bloco continua um partido centralista e largamente apoiada na inteligência metropolitana que tem profunda alergia ao PS e às suas derivas. Assim sendo, torna-se incapaz de produzir um discurso relevante sobre os “left-behind places” suportadas pela investigação de Andrés Rodríguez-Pose e que tem atraído a atenção da esquerda europeia, relacionando as suas origens com o advento do populismo europeu.

O Bloco continua a não conseguir explicar a sua posição na queda do governo da geringonça e continua de certa maneira zonzo com a derrota eleitoral que se seguiu a essa queda.

Neste limbo, o PS dá para disfarçar sendo o bombo da festa, como o foi na Convenção. Mas tenho dúvidas que essa posição tenha grande alcance eleitoral, mas os próximos tempos eleitorais serão também de clarificação dessas dúvidas.

Cá por mim aprecio mais a autonomia de pensamento de gente como Isabel Moreira, Alexandra Leitão ou mesmo de Ana Gomes que não se inibem de erguer as suas vozes quando as dimensões mais obscuras dos ventos internos do PS irrompem desabridas pelo tempo da comunicação. E, para falar nisso, com aquilo que tem acontecido pelas bandas de Vila Nova de Gaia, onde o seu Presidente de Câmara não tem escondido a sua pretensão de se tornar no novo Senhor disto tudo a norte, pelo menos o metropolitano, não se perfilam muito boas condições para as candidaturas socialistas metropolitanas nas próximas autárquicas.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário