segunda-feira, 22 de maio de 2023

AS RESISTÊNCIAS AO PACTO VERDE

 

                (Macron em Dunquerque, preocupado com a indústria francesa)

(Não é por acaso que os termos transição climática e transição energética emergiram no debate público ambiental internacional. Podemos dizer que os objetivos do Pacto Verde estabelecidos pela Comissão Europeia são claros. Sabemos também que os motivos que o determinaram são, salvo para os inenarráveis negacionistas, também claros e cientificamente fundamentados. Mas, como gosto de sublinhar pelas minhas andanças em torno do planeamento estratégico, a clareza dos objetivos e dos fundamentos que os determinam ajudam bastante, mas não são uma condição suficiente. Qualquer transição para esses objetivos exige uma transformação da situação de partida e aí é que normalmente a porca torce o rabo. Como o saudoso Professor Jacques Austruy, autor dos seminais Le Sandale du Développement e Le Prince et le Patron, gostava de sublinhar, as referidas transformações quando são olhadas do ponto de vista dos indivíduos e das organizações passam sempre por um crivo de comparação intertemporal entre os custos que a transição provoca e os benefícios que tenderá a determinar acaso sejam bem-sucedidas. Vários exemplos emergem hoje no presente para demonstrar de novo a sagacidade deste pensamento.)

A Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen e o Secretário-Geral das Nações Unidas, o sempre preocupado e diligente António Guterres, têm-se esforçado por clarificar a inevitabilidade da aposta na economia verde e em tudo que possa significar uma transição energética eficaz, capaz de mitigar a ameaça climática que pesa sobre o mundo. Particularmente a Comissão Europeia, já que dispõe de poder de programação, tem-se notabilizado por um conjunto de apostas no domínio do Pacto Ecológico ou do Pacto Verde como preferirem, procurando que todos os instrumentos de política pública comunitária remem para o mesmo lado e ao mesmo ritmo. Mas, como sabemos, o aparato de políticas comunitárias, além de estar fortemente atomizado e muito dependente da atuação da tecnoburocracia comunitária, que não favorece a integração das coisas, tende a materializar-se através de condições e regulamentos que não são um prodígio de flexibilidade. Neste período de programação, a introdução do novo critério a respeitar do DNSH (Do Not Significant Harm, ao ambiente claro está) é um bom exemplo do que estou a tentar dizer. O DNSH encavalitou-se em cima de uma multidão de outros instrumentos e tende a transformar-se em algo de mecânico e formal, a que toda a gente jura fidelidade, mas que na prática suscita mais dúvidas do que esperanças. Assume-se formalmente e depois logo se vê. Os próprios funcionários comunitários salvam a sua pele garantindo a sua “afixação” nos documentos de programação, abrindo-se depois todo um caminho de aprendizagem na sua aplicação.

Sabemos ainda como o Pacto Ecológico trouxe à programação 2021-2027 e ao próprio PRR um substancial aumento de fundos disponíveis, pretendo a Comissão Europeia comprar uma boa adesão aos princípios da transição energética e climática com esse novo impulso financeiro. Pretende-se com isso amenizar os tais custos da transição, facilitando a geração de soluções que sem esses apoios influenciariam determinantemente a referida relação custo benefício.

Mas, como tem sido visível, nos últimos tempos não está fácil esbater os tais custos da transição. A situação global hoje vivida é propícia a que tudo seja mais sensível. Primeiro, a desigualdade avançou muito nas sociedades ocidentais, gerando uma situação crítica de suscetibilidade e nem sempre a implementação das soluções energeticamente mais responsáveis acautela o agravamento da desigualdade num contexto em que ela já é demasiado grave. Segundo, a instabilidade política vivida em muitos países, com a colocação de uma passadeira vermelha a todos os populismos, particularmente os de extrema-direita, torna essas sociedades profundamente vulneráveis ao aproveitamento de todos os custos da transição, incendiando contextos. A França de Macron que o diga, quando ensaiou uma legislação de fiscalidade ambiental mal-amanhada e que acentuava fortemente os problemas de desigualdade. E foi o que se viu.

No plano político, o exemplo dos Países Baixos passou por cá um pouco despercebido, com a emergência de um movimento político, o Movimento dos Cidadãos Agricultores, que se apresentou com êxito nas eleições provinciais. Este Movimento não é mais do que a expressão de protesto contra os efeitos da geração verde de políticas lançadas pela Comissão Europeia na agricultura europeia, surpreendendo tudo e todos e mostrando como o problema é sensível. Não faço a ideia se o novo movimento político é ou não instrumentalizado pela extrema-direita neerlandesa, que não é pera doce, como sabemos.

Mas se a agricultura europeia é tema sensível (apesar de beneficiar de uma barbaridade de instrumentos de proteção), a indústria começa a reagir, com a Alemanha à cabeça, particularmente comandada pela indústria automóvel, que pede obviamente mais anos de transição para se adaptar ao paradigma das viaturas elétricas e a tudo o que ele significa de transformação na indústria transformadora. E o próprio Macron, cada vez mais acossado politicamente, veio a terreiro pedir uma pausa nos regulamentos europeus, apresentando-se como o grande protetor da indústria europeia, obviamente com a situação em França a comandar o discurso, aparecendo com um pessangas na aplicação da diretiva que fixa objetivos para o peso das renováveis no total da produção energética.

Curiosamente, cá pelo burgo, os brandos costumes imperam e nem a situação complexa vivida pelas indústrias do vidro e da cerâmica, fustigadas pela crise e pela transição energéticas, parecem suscitar hostilidades contra o Pacto Ecológico Europeu, com relevo para as concentrações do Centro Litoral. Não sei bem se são os brandos costumes a imperar, se a perceção de que a massa de recursos do PRR e do PT 2030 aconselha moderação.

Nota final:

Tenho por estes dias evitado debruçar-me sobre a vida política portuguesa, tal é o ambiente tóxico criado e sou muito sensível em termos respiratórios a tais ambientes. Revejo-me bastante na posição de Pacheco Pereira sobre a matéria, o que não significa de todo estar satisfeito com a degradação da qualidade governativa. O tratamento jornalístico de toda a situação criada por uma espécie de doença infantil da governação é o pior possível e, retirando o equilibrado jornal da RTP 2 às 21.30, apetece fugir. E com o Cavaco a entrar em cena, isso basta para ficar de pé atrás.

 

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