quinta-feira, 4 de maio de 2023

AS MUNICIPAIS EM ESPANHA E O ESVAZIAMENTO DEMOGRÁFICO

 


(Noutras ocasiões, tive já oportunidade de sublinhar neste espaço a relevância das eleições municipais deste mês, em Espanha, dada a particularidade da situação política vivida aqui ao lado. De um lado, uma coligação que vive arduamente os conflitos internos de cada dia, liderada por Sánchez, com o PSOE a procurar gerir as exigências dos nacionalismos regionalistas, sempre em tensão com o parceiro PODEMOS, o qual está de candeias às avessas com o projeto SUMAR de Yolanda Diáz, Vice-Presidente do Governo, a partir do momento em que Pablo Iglésias falsamente se retirou de cena. Do outro lado, um PP cada vez mais aguerrido, à frente nas sondagens, sonhando com o poder e com a possibilidade de poder governar sem o VOX, alimentado pela vitória com maioria absoluta de Juanma Moreno na Andaluzia e com Isabel Diáz Ayuso como ponta de lança das caneladas ao PSOE. Neste contexto já eleitoral em marcha, pode perguntar-se de que modo as municipais têm agitado o tema do esvaziamento demográfico e territorial do país. Fui analisar o que as principais forças políticas têm proposto sobre esta matéria, que assume no país vizinho proporções (Espanha país extremado) bem mais acentuadas do que por cá, embora sem a dimensão dos murros na consciência que os incêndios rurais provocaram em Portugal uns anos atrás. Cheguei à conclusão que a imaginação política não é lá muito fértil sobre esta matéria e creio haver razões estruturais objetivas que o explicam e não propriamente um problema endémico de incapacidade política.

O pensamento político em Espanha não tem sido particularmente rico do ponto de vista da abordagem à coesão territorial. Durante largo tempo, foram as questões urbanas que dominaram a investigação social e territorial, sobretudo a partir da Catalunha, com o pensamento de Pasqual Maragall, que foi presidente de Câmara de Barcelona (conhecida pela qualidade e inovação do seu planeamento estratégico) e da Generalitat. Maragall foi um dos últimos intelectuais espanhóis com intervenção política, destacando-se nesse tempo no pensamento político de base territorial. A aproximação de Jorge Sampaio como Presidente da Câmara de Lisboa e o seu entusiasmo pelo planeamento estratégico urbano tinham a Catalunha e Barcelona como modelo.

Retirando essa exceção, tem sido o problema das autonomias regionais e o seu sistemático aprofundamento no que em algum PSOE ficou conhecido como Espanha das nações que ocuparam a cena principal do pensamento político espanhol. Mas estranhamente, o regionalismo autonómico não trouxe grande incorporação de ideias em matéria de coesão territorial. Conta-se que Mário Soares, como sabemos um adversário coerente da regionalização, terá um dia provocado o então líder da Generalitat da Catalunha, Jordi Pujol, perguntando-lhe, atrevidamente, quando é que a Catalunha faria a sua própria descentralização. Consta que Pujol não terá gostado muito do chiste.

O tema da España vaciada é relativamente recente no plano político espanhol, tendo mesmo conseguido, nas últimas eleições gerais, através do movimento Teruel Existe representação no parlamento espanhol. Conseguir a partir de um território esvaziado em plena região de Aragão, logo com fraca expressão eleitoral, uma representação parlamentar a nível nacional talvez seja um indicador de que os cidadãos desses territórios se sentiram pouco representados nas forças políticas existentes, das mais progressistas às mais conservadoras, procurando representação direta.

Daí a minha curiosidade na pesquisa sobre o que as eleições municipais deste mês nos oferecem como resposta ao problema do esvaziamento demográfico e ajuda aos que resistem a viver nessas condições difíceis.

Quanto ao PSOE, o que traz para estas eleições sobre esta matéria está alicerçado em quatro pontos: (i) assumir a transversalidade do problema e consagrar em cada Comunidade Autónoma leis de coesão territorial; (ii) uma grande aposta na habitação, com criação de parques públicos de habitação social nesses territórios, reabilitação de núcleos e facilitação de transmissão de bens imóveis; (iii) grande aposta na melhoria da conexão tecnológica desses territórios, estimulando o teletrabalho; (iv) articular o meio com centros de inovação e conhecimento e por aí atrair nova capacidade empresarial.

O PP aposta sobretudo na dimensão dos incentivos fiscais, dirigidos às famílias, aos jovens e às empresas, além de propor uma Lei de Desenvolvimento Rural para todo o território nacional, destinada a suprir as carências de serviços públicos e toda a série de instrumentos de ajuda digital e à distância. A habitação com descidas de impostos para a reabilitação entra também na equação.

O VOX optou por um programa municipal idêntico para todos os Municípios, indicador evidente do tradicionalismo desta força política, em que a generalização da fibra ótica é a principal referência, com apresentação de outras medidas já mais divulgadas como os transportes a pedido e a criação de um número mínimo de centros de atendimento primário aos residentes destes territórios e ambulatórios em zonas mais rurais.

No UNIDAS PODEMOS é sobretudo o programa da Izquierda Unida que se destaca, com foco na recuperação de serviços públicos em meio rural, envolvendo funções diversificadas de centros para a infância, juventude, idosos, ajuda domiciliária, centros de dia. O programa fala ainda de incentivos à fixação de emprego público e de aposta na recuperação do património cultural das áreas rurais, designado de património agrário.

Analisando este material que, obviamente, teria de ser completado com a incorporação dos materiais locais específicos, algo que aponta para outros voos não acessíveis a este tipo de contributos, percebe-se que, além das diferenças compreensíveis, por exemplo, o PP apostar as peças essencialmente nos incentivos fiscais e financeiros, a imaginação não é muita. Mas, muito sinceramente, é o que sinto quando por razões profissionais tenho de forjar algumas propostas fundamentadas em territórios que enfrentam o esvaziamento demográfico e territorial. Este último representa também a rarefação de iniciativa empresarial e cívica e é nesse contexto difícil que se tem que construir o futuro. Muitas vezes não chega apelar à valorização dos recursos existentes, pois para isso é necessário atrair também conhecimento e novos recursos. E, pior do que isso, ao lado e em competição com outros territórios que procuram o mesmo.

Notas finais

Estou a preparar um pequeno artigo sobre este tema para publicação digital no Regions e-Zine (1) da Regional Studies Association de que darei conta em próximo post.

A propósito, no próximo dia 24 de maio, o incansável Eduardo Medeiros apresentará no ISCTE a obra que coordenou designada de Public Policies for Territorial Cohesion (2).  

(1) https://regions.regionalstudies.org/ezine/article/welcome-to-regions-ezine-editors/?doi=10.1080/13673882.2018.00001009

(2) https://www.dinamiacet.iscte-iul.pt/post/lan%C3%A7amento-do-livro-public-policies-for-territorial-cohesion

Sem comentários:

Enviar um comentário