quarta-feira, 3 de maio de 2023

INEVITÁVEL E IRREVERSÍVEL

 


(Embora o parecesse, não vou falar da arriscada e corajosa decisão de ontem à noite de António Costa, não aceitando o pedido de demissão do Ministro João Galamba. Preciso de mais tempo para pensar no assunto. Sobretudo porque, em meu entender, a decisão em consciência de Costa, embora, repito, corajosa, parece-me desproporcionada face à qualidade do Ministro e da sua prestação neste caso, abrindo um período de grande indeterminação no relacionamento com o Presidente da República de efeitos que considero imprevisíveis, mas essencialmente num lume brando que desgastará sistematicamente o governo. Vou antes falar de algo inevitável e irreversível e que uma incompetente Ministra da Agricultura e uma pouco confiável CAP teimam em protelar – abordar de frente e sem peias e hesitações a inexorável influência da emergência climática na agricultura portuguesa.

Em reportagem sobre a trágica seca pelas bandas do Sado, o jornalista Carlos Dias escrevia no Público a 29 de abril de 2023 (1):

“O rio Sado está seco desde a nascente até à barragem de Monte da Rocha. O Sudoeste peninsular está a ser flagelado por ondas de calor intensas e duradouras intercaladas com intensa precipitação atmosférica. “Estamos a entrar num território desconhecido", enfatiza o programa europeu Copernicus, que alerta para "mudanças alarmantes" no clima.”

O problema da bacia agrícola do Sado é conhecido já há algum tempo e a única novidade consiste no agravamento das características extremadas que o fenómeno apresenta, anunciando o que o programa europeu Copernicus designa talvez benevolamente de “território desconhecido”.

Imaginar como até agora tem sido observado que toda esta mudança climática não exigirá uma profunda revolução nos modos de produção agrícola e nos sistemas produtivos que marcaram territórios como o da bacia do Sado equivale a uma tremenda e irresponsável teimosia. O cântico das ajudas de circunstância é óbvio que tem de ser interpretado e com rigor, e pode discutir-se se o Ministério da Agricultura está ou não ser suficientemente lesto para operacionalizar a sua atribuição, admito que face ao padrão mais recente não esteja a ser suficientemente lesto. Mas considerar que o problema se resume a uma mera questão de ajudas de compensação é pura fantasia.

Importaria por isso que investigação científica (que a há e da melhor qualidade nestes domínios), a gestão da água, a adaptação dos sistemas de produção e o desenvolvimento de novas culturas, o envolvimento dos agricultores e a mobilização política de todo o sistema de atores envolvido nestes territórios mais críticos e vulneráveis estivesse ao rubro a preparar o futuro. Nada disso parece estar a acontecer. Os Planos para a mitigação das alterações climáticas proliferam pelo território nacional. Como sempre, a sua operacionalização em ação política consequente espera por alguma coisa que me escapa.

Uma pergunta inevitável deve ser colocada: mas que raio afinal está o Ministério da Agricultura a fazer em termos de resposta à mudança climática e à severidade dos fenómenos extremos?

(1) https://www.publico.pt/2023/04/29/azul/noticia/rio-sado-morto-agua-nao-dar-animais-2047926

 

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